Um imenso Parque Estadual de 60 mil hectares tem maior potencial turístico do que o complexo de Pedra Caída, no Maranhão. Mas faltam investimentos para torná-lo mais atrativo ao turismo.
Um imenso Parque Estadual de 60 mil hectares tem maior potencial turístico do que o complexo de Pedra Caída, no Maranhão. Mas faltam investimentos para torná-lo mais atrativo ao turismo.
O Parque Estadual Serra dos Martírios/Andorinhas (Pesam) é um lugar incomum no Estado do Pará. Embora esteja localizado totalmente no município de São Geraldo do Araguaia, no sudeste paraense, ele sofre influência do cerrado, que por sua vez dialoga com a floresta amazônica dentro da área do parque. E esse encontro de biomas oferece ao turista diversos espetáculos da natureza.
Em três expedições distintas para elaborar esse conteúdo especial para o leitor, a equipe do Portal CORREIO DE CARAJÁS visitou algumas das mais de 50 cachoeiras; formações rochosas que deixam qualquer visitante de queixo caído; cavernas que atraem espeleólogos de várias partes do País; sítios arqueológicos com gravuras rupestres impressionantes; e o Rio Araguaia, com suas magníficas ilhas, corredeiras e pedrais, que formam uma beleza cênica inigualável em torno do Parque.
Além do turismo de lazer, o Pesam atrai cientistas de seis instituições superiores do Brasil e da Europa, que encontraram ali um laboratório de possibilidades e descobertas para o Brasil e para o Planeta. Não é exagero. As características biofísicas desta região, sua grande biodiversidade (fauna e flora), os vestígios da ancestral ocupação humana ou de sua história recente como palco da Guerrilha do Araguaia, têm despertado o interesse de numerosos pesquisadores.
Desde a década de 1980, equipes de várias instituições, como o Museu Paraense Emílio Goeldi, Fundação Casa da Cultura de Marabá, EMBRAPA Amazônia Oriental, Universidade de Coimbra e mais recentemente a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), têm desenvolvido trabalhos acadêmicos sobre o Parque Serra das Andorinhas e a APA (Área de Proteção Ambienta) Araguaia.
Em 1996, tanto o Parque quanto a APA foram reconhecidos por lei e transformados em unidades de conservação pelo Governo do Estado. Com isso, o Ideflor-Bio passou a ser gestor dessas duas áreas. Os mais de 60 mil hectares do Pesam passaram a ser de proteção integrada, ou seja, ninguém pode morar lá dentro e as 138 famílias que residiam na área foram remanejadas e indenizadas. Já na área da APA – que funciona como uma espécie de zona de amortecimento para o Parque – há propriedades privadas, mas qualquer tipo de manejo tem de ser antecipado por informações e acompanhamento do Ideflor.
O Parque Serra das Andorinhas se distingue, também, por ter sido palco da Guerrilha do Araguaia, o movimento armado de ideologia comunista e socialista. Os moradores antigos apontam os morros Urutu e Urutuzinho como “bases” dos militares, que caçavam os comunistas na selva, em meados da década de 1960 e início de 1970, durante o período do Regime Militar no Brasil.
Nossa equipe viajou também à Ilha dos Martírios, sítio arqueológico com aproximadamente 5 mil gravuras e inscrições rupestres, localizado no Rio Araguaia. Um arqueólogo, um biólogo, dois geólogos, um antropólogo e 15 guias locais fizeram parte da expedição a convite da Reportagem, para apresentar os caminhos do parque e dialogar sobre os caminhos sustentáveis e como isso pode ajuda no dia a dia das pessoas e na relação com o meio ambiente.
Esquadrinhamos o território do Pesam com três fotógrafos, dois filmakers, um piloto de drone e dois jornalistas para apresentar ao leitor esse parque encantador e aguçar a curiosidade para aqueles que nunca estiveram por aqui.
As reportagens que virão a seguir são um convite para uma visita guiada ao Parque Estadual Serra dos Martírios/Andorinhas, traçando enredos sobre o homem e um dos cenários mais significativos do Estado do Pará.
Além das famosas andorinhas que dão nome ao parque, Gavião Real, Urubu Rei, Beija-flor, entre outras dezenas de aves habitam o cenário paradisíaco da Serra das Andorinhas.
Não por acaso, o imenso parque estadual localizado no município de São Geraldo do Araguaia ganhou o nome de “Serra das Andorinhas”. E esta ave popular é encontrada, principalmente, nas áreas próximas aos cursos de água, sejam riachos ou em uma das mais de 50 cachoeiras existentes na unidade.
Segundo o biólogo Maricélio Guimarães, algumas espécies, como a andorinha de coleira, constroem abrigos nas quedas d’água, embaixo das cachoeiras, onde vivem e de onde saem e voltam na caça de insetos, com muita agilidade dos voos.
Outras espécies fazem seus abrigos em árvores pequenas, com cerca de dois metros de altura, mas sempre próximo aos cursos d’água.
Os biólogos também fazem monitoramento de aves de grande porte, como o mutum, Penélope (mais conhecida na região amazônica como Jacu), que voam em bando e chamam bastante a atenção dos visitantes.
Maricélio é um dos profissionais que fazem o monitoramento de ninhos de Gavião-Real. O primeiro foi descoberto por uma equipe do Prevfogo em 2011, e depois incluíram outros dois ninhos desta espécie. Os técnicos passaram a monitorar também o Gavião de Penacho, e esse trabalho, a partir de 2017, é realizado numa parceria entre o Ideflor-bio e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). De lá para cá, essas aves já tiveram filhotes em algumas ocasiões, o que dá a garantia de que as duas espécies têm se mantido praticamente intocáveis no parque.
Outra ave que chama a atenção no Parque Estadual Serra das Andorinhas é o Urubu Rei, que dá nome a uma cachoeira famosa do local, onde vários exemplares desta espécie podem ser encontrados.
O acesso a essa cachoeira se dá pela Casa de Pedra e o visitante precisa caminhar cerca de 5 quilômetros para chegar ao local. “Lá, há mais de 20 indivíduos dessa espécie, algo que ainda não vi nem ouvi falar em nenhum outro lugar do País”, conta Maricélio, lembrando que ela também está na lista das aves ameaçadas de extinção.
O Urubu Rei pode ser contemplado em outras áreas do Pesam, sempre próximo aos morros mais altos, onde faz seus ninhos e observa o ambiente de uma forma mais ampla.
O parque também é território de algumas espécies de arara, periquitos que andam em bando e a bela seriema, ave típica do cerrado, que pode chegar a até 90 centímetros de comprimento (da ponta do bico até o fim da cauda). O canto da Seriema pode ser ouvido a até um quilômetro de distância.
Apesar de ser uma ave, a Seriema não gosta de voar, prefere correr. Sua velocidade pode chegar facilmente a 50 km/h, só então alçando voo. Mesmo assim, apenas em situações extremas, como quando caçada.
Na região das montanhas, principalmente às proximidades da Casa de Pedra, podem ser observadas várias espécies de aves, entre as quais o beija-flor, que realiza um banquete ao ar livre, tendo como prato principal o néctar da flor da Norantea guianensis, popularmente chamada de rabo-de-arara.
O encontro do cerrado com a floresta amazônica é um dos presentes que a natureza oferece ao turista que penetra na Serra das Andorinhas. Fauna e flora dos dois biomas estão presentes no parque e na APA.
Na trilha que dá acesso à famosa Casa de Pedra, no Parque Serra dos Martírios/Andorinhas, o turista fica encantado com o que vê a sua volta. Em boa parte dos lugares, no trajeto de 4,7 quilômetros, quando olha para a esquerda tem a vegetação da floresta amazônica e à direita está diante do cerrado.
A imponente Jatobá pode ser encontrada nos dois biomas, mas a da Amazônia é mais alta e chega a até 2 metros de diâmetro. O fruto desta árvore, encontrado facilmente embaixo do pé, é quatro vezes mais rico em potássio do que a banana e tem o mesmo teor energético. Então, quem faz longas caminhadas pelo parque tem alimentos preciosos e de graça à sua disposição.
Outro fruto abundante no Pesam é a mangaba, que o visitante pode colher com a mão no pé, já que a árvore não é tão alta. Ele é doce e ajuda a diminuir a sensação de sede.
O biólogo Maricélio Guimarães, que acompanhou as expedições do Portal Correio à Serra das Andorinhas, explica que uma característica peculiar do Cerrado é o seu sistema subterrâneo, que evoluiu para captar a água de que precisa no lençol freático, situado a alguns metros da superfície. Isso, segundo ele, faz com que o sistema subterrâneo também tenha capacidade de armazenar grandes quantidades de água e nutrientes, garantindo a sobrevivência em períodos de seca e, ainda, portar gemas reprodutivas que possibilitam a pronta rebrota da vegetação.
A história do biólogo que passava pela rodovia BR-153 e se apaixonou pela Serra das Andorinhas e nunca mais se afastou dela
Precisou uma rápida passagem pela Rodovia BR-153, que margeia a Serra das Andorinhas, quatro anos atrás, para atrair a atenção do biólogo Maricélio Guimarães, atualmente um dos pesquisadores mais atuantes na área do Parque e da APA Serra das Andorinha. Baiano nascido em Bom Jesus da Lapa, morou boa parte da vida em Brasília antes de se mudar para o Estado do Pará, precisamente para o município de Marabá, distante 160 quilômetros de São Geraldo do Araguaia.
Há muito tempo, Maricélio especializou o trabalho que desenvolve na biologia em cavernas, principalmente no estudo dos morcegos, o que o fez perceber imediatamente a região montanhosa que atravessava e o levou a retornar ao local, desta vez como pesquisador. “Quando vim de Brasília e passei por aqui já vi que esta era uma região que me atraía, então eu fiquei em Marabá, mas doido pra vir conhecer a Serra das Andorinhas”, confessa.
Em 2016, ele foi convidado por uma colega, professora na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), para acompanhar o trabalho desenvolvido por ela no parque – que inclusive o motivou posteriormente a criar um aplicativo de trilha lançado recentemente.
“Vim acompanhar, conheci alguns comunitários e isso foi me encantando. Com o tempo passei a vir com os técnicos da Fundação Casa da Cultura de Marabá, quando entrei pela primeira vez na Caverna Serra das Andorinhas, de 1.100 metros de extensão. No final da tarde vi uma revoada de morcegos muito grande. Foram cerca de 30 minutos de uma nuvem de morcegos passando. Eu trabalho com morcegos desde 2001 e nunca tinha visto aquilo. Decidi que retornaria para pesquisar de onde eles estavam saindo”, relembra.
Em 2017, durante nova expedição da Casa da Cultura, Maricélio finalmente encontrou a moradia dos morcegos que tanto ansiava. “Consegui saber qual era a caverna, de onde eles saíam, mas não os encontrei dentro dela. Então, montei, junto com outros colegas, um projeto para essa caverna e voltei com colegas, em duas expedições diferentes”.
A partir daí, o grupo criou um projeto de zoneamento espeleológico para abrir a Caverna Serra das Andorinhas para o turismo, uma vez que os guias locais já a utilizavam para atravessar e ter acesso a algumas cachoeiras, como a da Visagem. “Terminamos esse projeto em 2018 e o relatório já foi apresentado e aprovado. Atualmente, ela já tem aprovação para ser utilizada para o turismo”, comemora.
Já são 600 conhecidas, 400 catalogadas e a expectativa de que haja mais de 1.000 em toda a extensão do parque
A caverna Serra das Andorinhas, segundo o biólogo Maricélio Guimarães, possui 1 km e 100 metros de extensão e o projeto prevê que seja aberto 20% dela para visitação turística, o que representa algo em torno de 230 metros. O restante, ressalta, permanecerá fechado para pesquisa e há partes isoladas devido ao risco de acidentes.
Com mestrado em Ecologia Aplicada às Cavernas, Maricélio explica que dentro do Parque Serra das Andorinhas já foram registradas, oficialmente, 400 cavernas, mas pelo menos 600 são conhecidas e quem as estuda acredita que o potencial é de que haja mais de 1.000 cavidades. “Como não fizemos ainda um trabalho bem sistemático em toda a serra, acreditamos que apenas cerca de 30% a 40% foi explorada”, observa.
Maricélio deixa bem claro que a maior parte dessas cavidades é de abrigos, que possuem alto valor arqueológico. “Não têm tanta riqueza de fauna, mas temos outros atrativos como a questão arqueológica, por exemplo. É o caso da caverna “Casa de Pedra”, que tem apelo arqueológico muito grande e tudo isso enriquece o potencial espeleológico do parque”, contemporiza.
Desde 1987, a Fundação Casa da Cultura realiza pesquisas na Serra das Andorinhas, inicialmente atraída pelas inscrições rupestres da Ilha dos Martírios. Mas à medida que os técnicos foram tendo acesso a outras áreas do parque. Lá, eles identificaram oito ecossistemas distintos: cerrado/cerradão, floresta mista, floresta densa, floresta semidecídua, floresta galeria, parque, campo litológico e floresta de várzea.
Esse grupo de pesquisadores, liderado pelo biólogo Noé von Atzingen, solicitou ao governo do Estado o tombamento da Serra dos Martírios/Andorinhas, o que aconteceu em 22 de setembro de 1989. Posteriormente, em 25 de julho de 1996, esse patrimônio do povo paraense foi transformado em Parque Estadual Serra dos Martírios/Andorinhas e houve ainda a criação da Área de Proteção Ambiental de São Geraldo do Araguaia.
Espeleólogos de várias partes do País visitam a Serra das Andorinhas para conhecer as principais cavidades, cuja fama já se espalhou no mundo científico. Mochileiros que apreciam aventuras dessa natureza já têm em seu roteiro, principalmente, as cavernas Serra das Andorinhas e Araguaia (com 40 metros de extensão). “A gente encontra muitas espécies de morcegos e estamos apenas começando a estudá-los. A presença deles ali nos garante um aporte de material orgânico e que há vida ali dentro. Estamos otimistas com estudos mais aprofundados sobre as cavidades daqui para frente, tanto da área de bioespeleologia como de geologia e arqueologia”, comemora.
As rochas altas não servem apenas para contemplação na Serra das Andorinhas. Grupos de praticantes de esportes radicais iniciaram, em 2018, os testes para realização de rapel e também highline
Um grupo de 12 escaladores esticou, em julho passado, uma corda entre as montanhas Cabeça do Peixe e Dedo de Deus, no Parque Nacional Serra dos Órgãos, e alguns deles percorreram a distância de 328 metros sobre esta linha.
A expedição “Andolinhas PA Pow” é realizada pela equipe High.Pa em parceria com a produtora de eventos esportivos de aventura ETS da Amazônia. Até o momento, eles realizaram três imersões no Parque Estadual Serra das Andorinhas, com o objetivo de desenvolver atividades através do esporte highline, uma modalidade do Slackline que se pratica a partir de 10 metros de altura, com auxílio de equipamentos de segurança, material e técnicas especializadas.
Segundo Leonardo Neves, graduando em Ciências Biológicas, mas que também é atleta e organizador da expedição, os eventos têm o objetivo de compartilhar boas informações aos atletas do esporte na Amazônia, além de possibilitar uma interação consciente com a natureza e comunidade local.
De acordo com ele, a 1ª expedição “Andolinhas PA Pow” aconteceu de 20 a 24 julho de 2018 e contou com 8 atletas e 2 guias, tendo como marco a abertura das linhas Passarinho da Vovó (33m long x 30m high) e Jararacuçu de Pedra (123m long x 30m high) no Setor Casa de Pedra.
De 8 a 16 de junho deste ano eles participaram do 30º Festejo do Divino Espírito Santo, junto ao monitoramento da Casa de Pedra, onde uma equipe de 4 atletas e 1 videomaker compareceram para interagir com a comunidade local, tendo como marco a abertura e apresentação da linha Seu Caroço (52m long x 25m high) no Setor Casa de Pedra.
A 2ª expedição “Andolinhas PA Pow” foi realizada de 11 a 21 de julho último, e contou com a participação de 11 atletas, 1 guia e 1 videomaker, sendo que um deles veio da Espanha. Como marco do evento, a abertura da linha Castelo de Pedro (180m extensão x 80m altura) no Setor Catedral, além de duas oficinas de iniciação ao Slackline, uma na Praia Remanso dos Botos (APA Araguaia) e outra na Cachoeira Quatro Quedas, como parte da programação do evento “Um dia no parque”, realizada em 21 de julho, no PESAM. “Vale ressaltar que as linhas de Highline foram montadas em ancoragem natural, preservando a integridade física das rochas sedimentares presentes no PESAM”, destaca Leonardo.
O highline é considerada a modalidade mais radical e perigosa do slackline, que vem ganhando espaço em todo o Brasil e seduzindo pessoas cada vez mais jovens. Para quem gosta de aventura, o highline é o esporte da vez, exigindo muito equilíbrio e coragem dos atletas.
Apesar de estar virando moda no mundo, o highline é considerado um esporte de alto risco, por isso, é muito importante a prática com os equipamentos recomendados de segurança. A diferença da altura da fita em relação ao solo gera riscos que precisam ser conhecidos e superados com equipamentos necessários e a preparação de cada atleta.
Biologia, arqueologia, geologia e espeleologia são apenas algumas áreas que atraem o turismo científico para a Serra das Andorinhas
Muito além do turismo de lazer, esportivo e radical, a Serra das Andorinhas é também palco para o turismo científico, atraindo pesquisadores de todo o país e até estrangeiros. Apenas a caverna Serra das Andorinhas, por exemplo, abriga sete espécies diferentes de morcegos e, dentre estas, quatro ameaçadas de extinção.
“O Brasil tem atualmente na lista da fauna ameaçada sete espécies e, nesta caverna, há mais da metade das espécies ameaçadas de extinção. Fora isso, a gente tem três espécies que se juntam em mais de 15 mil indivíduos. São insetívoros e assim que saem da caverna percorrem uma distância de cerca de 10 quilômetros para chegarem ao Rio Araguaia e beber água”, explica Maricélio Guimarães.
De acordo com ele, a implantação do turismo científico permite que interessados possam acompanhar os pesquisadores em atividades de campo. “Se vou à caverna pegar morcego, analisar a fauna, há turistas que querem acompanhar e esse é outro tipo de ação que estamos tentando implantar na Serra”, ressalta, acrescentando que, para tal, é necessária a formação dos guias locais. Há três anos, foi iniciado o monitoramento da biodiversidade local, com abrangência de toda a fauna.
“A gente já sabe que há presença de onça pintada, onça parda, muitas espécies de aves e ninhos. Sabemos disso a partir de projetos que foram instaurados há algum tempo, com apoio de outras instituições. Monitoramos as borboletas, aves, mamíferos, vegetação, principalmente as plantas arbóreas. Temos monitoramento dos quelônios e trabalhamos com a tartaruga da Amazônia e com os tracajás, que também são espécies ameaçadas. Há uma fauna bem rica e muitas espécies estão catalogadas. Estamos conhecendo aos poucos essa riqueza”, apresenta.
Já na Ilha dos Martírios, está situado um dos maiores sítios arqueológicos de arte rupestre a céu aberto do mundo. Arqueólogo e mestre em Ciências Ambientais, Marlon Prado afirma que o achado é conhecido desde o Século XVIII, quando o naturalista francês Henri Coudreau passou pelo local. Mais tarde, no Século XIX, os bandeirantes também estiveram ali. Eles pensavam, inclusive, se tratar de um local rico em ouro, devido à grande quantidade de mica existente, que refletia em tons dourados. A Ilha dos Martírios tem este nome por conta de gravuras no lajedo que remetem ao martírio de Cristo. “São mais de 3 mil gravuras rupestres já documentadas e é um local de beleza cênica e de importância arqueológica nacional e até internacional”, defende Prado.
Ainda de acordo com ele, há necessidade de estudo mais aprofundado sobre as gravuras. “Ainda foi pouco estudado, só foram feitos alguns decalques destas gravuras rupestres, mas um estudo sistemático ainda precisa ser realizado, apontando a relação com as cavidades que há na Serra das Andorinhas. Pretendemos fazer essas escavações mais controladas para tentar entender a relação da ocupação da Serra das Andorinhas e dessa população que fez todos estes estudos nestas rochas”, destaca.
Na Vila de Santa Cruz, localizada na APA do Araguaia, há um sítio arqueológico de grande importância antropológica e ainda pouco estudado. Segundo Marlon, os moradores vivem em cima deste sítio e é comum encontrarem fragmentos antigos, principalmente de cerâmica. Um levantamento apontou haver um pacote de um metro de terra preta, o que indica que o local era habitado por uma sociedade por vários milhares de anos. Em pequenas escavações, é possível ter acesso até a vasilhas inteiras, como, por exemplo, urnas funerárias.
Para Douglas Costa, gerente da unidade do Ideflor em São Geraldo do Araguaia, responsável pela gestão do parque, a área de transição entre o serrado brasileiro para a floresta amazônica faz com que o parque abrigue plantas que existem apenas na serra, o que atrai pesquisadores do mundo inteiro em busca desses exemplares do bioma. “(O parque) tem importância principalmente científica, porque a pesquisa evolui e fomenta as atividades do próprio PESAM”, ressalta.
Trilhas mapeadas, história, informações sobre o parque, atrativos, fotos e vídeos à mão do turista
Lançado recentemente, o aplicativo para celular “Trilhas Virtuais”, identificado pela logomarca da Serra das Andorinhas, é uma ferramenta de grande ajuda para o turista ou pesquisador que tem a intenção se aventurar pelos diversos caminhos que cortam o Cerrado e a Floresta Amazônica.
Ele foi criado a partir da parceria entre o biólogo Maricélio Guimarães e o botânico português Luís Catarino, com apoio da Universidade de Coimbra e Fundação Casa da Cultura de Marabá. Maricélio conta que, ao visitar a serra pela primeira vez, observou o trabalho de uma colega que mapeava a região, auxiliada pelos condutores locais, marcando em GPS as trilhas e atrativos.
Em 2018, quando era funcionário do Ideflor-bio, conheceu Catarino que chegou ao local em uma expedição do Museu Emílio Goeldi, junto de uma equipe da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrappa) e pesquisadores do Ideflor para realização de um inventário florístico da região.
“Fiquei muito encantado com ele (Luís Catarino) porque saíam cedinho, 5 horas da manhã, e quando chegavam no final da tarde iam dormir. Mas o português ficava acordado explorando os livros e querendo saber mais da história”, relembra.
O encantamento virou rápida amizade e ambos pensaram em desenvolver projetos juntos, chegando à ideia de produzir o aplicativo que tornasse toda a riqueza do parque mais acessível à divulgação por todo o mundo.
“Em junho deste ano, Catarino retornou e fomos conversando. Fizemos um projeto muito grande, pedimos patrocínio, tentamos editais, mas como não conseguimos aprovação, então realizamos juntos. Fizemos um reconhecimento da serra, realizamos um registro de todas as trilhas que a gente queria colocar no aplicativo. Nele, a gente conta toda a história da serra, dos primeiros povos, da Guerrilha do Araguaia, mas principalmente falamos da fase atual, com as trilhas bem identificadas, com grau de dificuldades, distâncias, fotografias e mapa”, resume.
Quando o usuário clica em uma trilha que pretende seguir é direcionado ao aplicativo do Google Maps, que também precisa estar instalado no aparelho celular. “O visitante consegue se localizar, caminhar na trilha e à medida que chega ao atrativo já reconhece facilmente pelas imagens que viu antes. Quando se tem acesso à internet, o aplicativo direciona para vários vídeos e fotos, mas offline a gente consegue ter toda a história e os encaminhamentos”, explica.
Em entrevista ao Portal CORREIO DE CARAJÁS, Luís Catarino contou como se apaixonou tecnicamente pelo Parque Estadual da Serra dos Martírios-Andorinhas e passou a estudar sua biodiversidade em companhia de outros pesquisadores brasileiros.
Catarino conta que começou a vir ao Brasil há cerca de quatro anos como membro do projeto denominado Odyssea, que envolve instituições de pesquisas de vários países, como França, Inglaterra, Áustria, Albânia, mas também de universidades do Brasil. Ele prevê que o aplicativo será bastante utilizado em um futuro próximo, auxiliando muitas pessoas que desejam se aventurar pelas muitas trilhas existentes.
Mas Luís Catarino também destaca a importância de os visitantes recorrerem ao apoio dos guias do parque, que estão capacitados para conduzirem em todas as áreas. “Eles foram treinados adequadamente e têm uma função mútua, de ajudar a preservar e guiar as pessoas com segurança”, reconhece.
Embora as cachoeiras sejam as queridinhas dos turistas que visitam o Parque Serra dos Martírios-Andorinhas, as formações rochosas não passam despercebidas. Pelo contrário, chamam a atenção, não apenas pela dimensão, mas também pelo formato, que lembram pessoas, castelos, veículos, entre outros elementos.
Os geólogos Silvio Lima Figueiredo e Paulo Sérgio de Sousa Gorayeb, membros do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará, defendem que a beleza cênica da região que potencializa para o ecoturismo, somada às características arqueológicas e geológicas, reúnem todas as condições para transformar-se o local em um Geoparque.
Lembram que os recursos geológicos associados a outros recursos naturais são comumente explorados em parques e unidades de conservação em vários locais do mundo, particularmente quando há destaque de relevo. Eles citam como exemplos o Grande Cânion/USA; Itatiaia/Serra da Mantiqueira, entre outros, os quais despertam grande atração turística. “Entretanto, no Brasil, apesar do grande potencial disponível, o lado geológico tem sido pouco explorado e, quando é dado este enfoque ele é superficial, não agregando o conhecimento científico”, lamentam.
O Serviço Geológico do Brasil, baseado no conceito de geoparque da UNESCO criou o projeto GEOPARQUES – Parques Geológicos do Brasil – no qual Geoparque é avaliado como “região com limites bem definidos, envolvendo um número de sítios do patrimônio geológico-paleontológico de especial importância científica, raridade ou beleza, não apenas por razões geológicas, mas também em virtude de seu valor arqueológico, ecológico, histórico ou cultural”.
Segundo esta diretriz seu plano de gestão deverá ser auto-sustentável (e provavelmente baseado no geoturismo), demonstrando métodos de conservação e propiciando o ensino de disciplinas geocientíficas e ambientais. “Qualquer geoparque deverá fazer parte de uma rede global que irá demonstrar e partilhar as melhores práticas com respeito à conservação da herança da Terra e sua integração em estratégias de desenvolvimento sustentável”, dizem os dois pesquisadores da UFPA.
Usando termos técnicos, eles explicam que A Serra das Andorinhas faz parte da unidade geotectônica denominada de Cinturão Araguaia, de idade Neoproterozóico (período geológico compreendido entre 1.000 e 550 milhões de anos). Esse Cinturão Araguaia se situa no centro-norte do Brasil demarcando uma larga faixa de rochas metamórficas na direção Norte-Sul com dimensão estimada em 1.200 km de comprimento por 100 km de largura e uma orientação estrutural geral submeridiana.
As principais unidades geológicas expostas na Serra das Andorinhas e entorno são as formações Morro do Campo e Xambioá. “A ocorrência mais expressiva das rochas da Formação Morro do Campo sustenta a Serra das Andorinhas, com altitudes de quase 600 metros, onde o Parque Estadual da Serra dos Martírios-Andorinhas está estabelecido”, observam.
Por fim, justificam que todas essas características da região do Parque Martírios-Andorinhas são propícias para o desenvolvimento de vários tipos de turismo, como o Ecoturismo, Turismo de Aventura, Arqueoturismo, e para o Geoturismo, que compreende uma nova categoria que tem sido estudada e aplicada em vários parques no mundo.
Grupos de condutores de trilhas e de brigadistas são formados por pessoal que vivem há anos na região e conhecem minuciosamente o parque
Os caminhos outrora cortados por militares e guerrilheiros, agora são trilhas para quase 60 homens e mulheres nascidos ou criados na região da Serra das Andorinhas e que, subindo e descendo, tiram de lá o próprio sustento, sem interferir no ecossistema e ainda ajudando a protegê-lo. E a intenção do Ideflor-bio é fortalecer, cada vez mais, o chamado turismo de base comunitária.
Divididos em dois grupos, os condutores de guias e os brigadistas de combate a incêndio – todos treinados pelo Ideflor-Bio, inclusive para atendimento em primeiros socorros – têm em comum o sentimento de amor e o conhecimento em relação ao parque, oriundos dos muitos anos convivendo com os dois biomas.
Os condutores, que são mais de 40, estão organizados em duas cooperativas, a Raposa da Serra e a Nativos da APA Araguaia. Segundo Douglas Costa, gestor do parque, é importante que os visitantes peçam o acompanhamento de um guia, cuja diária custa R$ 100,00, mas que garante a segurança para não se perderem e, ainda, por causa de animais como a onça.
Emival Borges da Cruz, um dos diretores do Nativos, que possui 25 membros, diz que o principal trabalho dos condutores é conservar e preservar a área e mantendo a própria identidade. “Poderíamos até ter mais pessoas no nosso grupo, porque a procura é muito grande, mas a gente tem o cuidado de manter só quem é da região da APA, o que é o nosso grande diferencial”, orgulha-se.
De acordo com Emival, a Casa de Pedra é um dos locais que mais atrai turistas, com pelo menos uma viagem ao mês a um dos mais belos espaços do PESAM, mesmo com a difícil subida. Outras áreas do parque são visitadas semanalmente. “Vem gente de várias partes do Brasil. Já recebi até estrangeiros para visitar a caverna Serra das Andorinhas”, conta.
Mas não tem jeito. Segundo o condutor, o que mais chama a atenção dos turistas são mesmo as cachoeiras. “Os locais mais procurados são a 3ª e a 4ª quedas, mas há também procura pela Casa de Pedra, Caverna Serra das Andorinhas, Remanso dos Botos e Ilha dos Martírios”, destaca.
Apesar de haver a divisão dos condutores em dois grupos, Emival garante que todos trabalham unidos e não há rivalidade. “Os Raposas da Serra trabalham em parceria com a gente, inclusive fizemos o curso do Ideflor juntos. Então, são os dois grupos que atuam na área”, sustenta, relatando que já permaneceu três dias guiando um único grupo e inclusive pode auxiliar pesquisadores. “Fui na caverna, em um trabalho de pesquisa dos morcegos e arqueologia, e aí a gente atua como auxiliar dos pesquisadores, dando apoio”.
Ao todo, 12 pessoas trabalham no monitoramento e no combate a incêndios, principalmente na época de seca
O brigadista Gesivan Alves dos Santos destaca que este é o primeiro ano em que o Ideflor-Bio decidiu investir em moradores da região para formar a equipe de brigadistas para atuarem no combate ao fogo e, coincidência ou não, a Serra das Andorinhas não registrou, durante o verão amazônico de 2019, grandes incêndios, ao contrário do ocorrido em anos anteriores.
Para os 10 homens e duas mulheres que atuam neste enfrentamento, o motivo é simples: o amor que sentem pelo parque os motiva a combater dia após dia qualquer possibilidade de destruição da fauna e da flora.
“Antigamente, em 2010, a Brigada iniciou com pessoas de todas as localidades, não deram exclusividade para as pessoas da comunidade. Agora, o Ideflor-Bio quis investir e capacitar os comunitários para combater incêndio porque todos conhecem o parque, a maioria nasceu e cresceu aqui. Alguns, dentro do parque mesmo. Temos melhor acesso porque todo mundo conhece as trilhas e assim chegamos rápido ao foco do incêndio”, garante.
No início, diz, havia 16 brigadistas contratados, mas quatro desistiram. “O trabalho é árduo e muitas pessoas não aguentam. Os brigadistas que trabalham aqui atuam por amor também, não só por dinheiro. Costumo dizer para os nossos brigadistas que essa é a melhor Brigada de todos os tempos porque é composta por comunitários e todos trabalham com amor ao parque, empenhados para não deixar ocorrer um incêndio de grande proporção”, argumenta.
Os incêndios ocorrem, principalmente, entre os meses de junho e outubro. “Nós trabalhamos primeiramente com a prevenção e monitoramento. Temos motos e rondamos ao redor do parque. Quando detectamos foco de incêndio é acionada toda a Brigada e levamos todos os equipamentos, rede, barraca, comida e acampamos no local mais próximo do incêndio. Às vezes, nosso trabalho dura de 7 a 15 dias e ficamos acampados em cima da serra, no mato”, explica.
Nascido em São Geraldo e morador da APA desde 1997, Gesivan é direto quando questionado sobre o que causa a maior parte dos incêndios. Para ele, maior investimento na vigilância seria capaz de inibir a prática, assim como a caça, que ainda ocorre bastante. “Muitas vezes ele ocorre de forma natural, mas a maioria é incêndio criminoso”.
Leidiane dos Santos Pires Vieira, uma das duas brigadistas mulheres, chega a passar mais de uma semana acampada no matagal ao lado dos colegas e diz que se afasta da família, inclusive do filho, para trabalhar também por amor à Serra das Andorinhas. “A gente gosta muito desse parque. Mais do que isso, nós o amamos. Cada dia mais queremos cuidar, preservar, então isso me motivou também a estar no grupo”. Nascida em São Luís, no Maranhão, ela mudou-se aos dois anos para São Geraldo do Araguaia, de onde nunca mais saiu.
Nos poucos meses na profissão, Leidiane já ajudou a combater mais de 10 incêndios, chegando a passar 14 dias acampada, isolada e sem internet. “A gente se vira com o que pode. Levamos carne de sol, que é o que a gente mais consome, porque não estraga, mas também carregamos arroz, feijão, e coletamos frutas no parque”, explica.
Diferente do combate realizado nos centros urbanos, pelos bombeiros, no alto da serra não há água e o trabalho é feito de outra forma. “É complicado, mas a gente se vira, usamos galhos do mato, areia, terra que é um pouquinho úmida. Fazemos asseiro e tudo isso ajuda um pouco e dá certo”, ensina.
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