Tecnologia, economia regional e histórias humanas se cruzam para reforçar a imagem de uma Amazônia que pensa o futuro
Na região de Carajás, no Pará, pequenos empreendedores começam a incorporar a inteligência artificial (IA) como ferramenta estratégica para otimizar processos, melhorar o atendimento ao cliente e aumentar a competitividade em um mercado cada vez mais digitalizado. Em 2025, a IA deixa de ser uma tecnologia experimental para se tornar parte integrante das operações empresariais, inclusive para os pequenos negócios locais que atuam em um contexto fortemente influenciado pela mineração e pelo desenvolvimento regional.
Com a democratização das ferramentas de IA, pequenos empreendedores em Carajás têm acesso a tecnologias antes restritas a grandes corporações. Chatbots, assistentes virtuais e sistemas de automação já são usados para agilizar o atendimento e reduzir custos operacionais, liberando os donos de negócios para focar em estratégias de crescimento e inovação.
Cursos oferecidos por instituições como o Sebrae Pará têm sido fundamentais para capacitar esses empresários a entender e aplicar a IA de forma prática e segura, ensinando desde a criação de prompts eficientes até noções de ética no uso da tecnologia.
A inteligência artificial tem permitido aos pequenos negócios locais prever demandas, otimizar estoques e personalizar o relacionamento com clientes, aspectos essenciais para manter a competitividade em um mercado dinâmico. A automação inteligente reduz tarefas repetitivas e melhora a eficiência, enquanto a análise preditiva ajuda a antecipar flutuações e ajustar estratégias de vendas e logística. Em Carajás, onde a cadeia produtiva está ligada à mineração, essas tecnologias auxiliam também na adaptação a variações do mercado e na sustentabilidade dos negócios.
Programas como o Smart City, em Canaã dos Carajás, promovem inovação digital e incentivam o desenvolvimento de soluções tecnológicas, incluindo a IA, para melhorar a gestão pública e o ambiente de negócios local. O Sebrae, por sua vez, oferece suporte técnico e capacitação para que os pequenos empreendedores possam implementar essas ferramentas com segurança e eficiência.
Apesar dos avanços, a adoção da IA ainda enfrenta desafios como a necessidade de infraestrutura adequada, acesso à internet de qualidade e a capacitação contínua dos empresários. Além disso, é fundamental equilibrar a automação com o fator humano, garantindo que a tecnologia seja uma aliada e não um substituto do talento local.
Para 2025, a expectativa é que o uso de agentes de IA – sistemas autônomos capazes de tomar decisões e executar tarefas complexas – se intensifique, trazendo maior personalização e eficiência para os pequenos negócios da região. Essa transformação digital promete não apenas melhorar a produtividade, mas também fortalecer a economia local, criando um ambiente mais resiliente e inovador.
O uso crescente da inteligência artificial por pequenos empreendedores na região de Carajás representa um passo importante rumo à modernização e sustentabilidade do comércio local. Com o apoio de programas governamentais e instituições como o Sebrae, e a crescente acessibilidade das tecnologias de IA, esses negócios estão se preparando para competir em um mercado cada vez mais digital e exigente, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social da maior região mineradora do Brasil.
como um ex-químico está revolucionando o empreendedorismo em Carajás com inteligência artificial
Nascido em Chapadinha (MA) e com alma inquieta, Rafael Castro Silva carrega no peito um pedaço do sertão e no cérebro, chips de inovação. Já foi professor, laboratorista da Vale em Parauapebas por quase uma década, e hoje comanda a Gestalt Tecnologia & Educação, uma agência que une inteligência artificial, educação e impacto social no coração da Amazônia mineral.
Mas tudo começou com… cuscuz.
“Eu vendia cuscuz e histórias. As pessoas vinham pela comida, mas ficavam pelo marketing.”
Foi nesse calor humano que Rafael descobriu sua nova paixão: mostrar para pequenos empreendedores que tecnologia não é coisa de multinacional — é ferramenta de sobrevivência e reinvenção.
Na região de Parauapebas, Canaã dos Carajás e Curionópolis, Rafael percebeu logo de cara: falar de automação e IA era como falar em código alienígena. “A promessa era boa, mas ninguém entendia. Então fiz o que a tecnologia ensina: testei, errei, aprendi e evoluí.”
Hoje ele opera 100% em home office com uma equipe espalhada pelo Brasil, e atende mais de 40 clientes ativos, com soluções de consultoria e produtos SaaS (Software como Serviço). O foco? Pequenos negócios que precisam vender — e rápido.
“Trabalhamos com todos os nichos, principalmente o empresarial. O público que mais gera recurso para o nosso empreendimento, por incrível que pareça, é o que não tem dinheiro: são empresas de bairro, pequenas empresas. Isso porque hoje oferecemos um produto, software e catálogos digitais, voltado para pessoas que já entenderam que precisam estar na internet, mas não têm recursos suficientes para estar lá e nem conhecimento. Então oferecemos um produto que já entregamos pronto, onde o usuário entra, compra, e a venda chega feita no WhatsApp desse empreendedor. Ele paga um valor simbólico de R$ 147 e a gente entrega tudo isso pronto, com recorrência de três meses. Vendemos isso em escala”, detalha.
A mágica está nos bastidores: catálogos digitais, automação de vendas, marketing por WhatsApp, vídeos feitos com IA, áudios em Libras e plugins de leitura. “Metade do catálogo é feito com IA. O cliente não precisa saber disso — ele só quer algo que funcione”, emenda Rafael, que compara IA a uma bicicleta elétrica: “Ela não pedala por você, mas te faz chegar mais longe com menos esforço.”
Nem só de lucro vive a Gestalt. A agência criou o projeto Futuro Digital, que treina jovens de comunidades da região para oferecer serviços digitais — mesmo sem experiência técnica.
“Eles já entendem de redes. Nós damos a ponte pro mercado e o conhecimento de como vender e ganhar com isso.”
Além disso, Rafael participa de projetos com o Sebrae, o Centro Mulheres de Barro, a Vale, o Instituto Equatorial e iniciativas de turismo com tour virtual em Serra Pelada, onde visitantes já podem explorar locais históricos e comprar diretamente de empreendedores locais — tudo com IA, QR Codes e experiências imersivas.
Apesar do crescimento, Rafael é direto: “O que nos separa da IA não é dinheiro, é mentalidade. A informação chega aqui com 40 anos de atraso.” A solução, para ele, é clara: “Educar. Ensinar. E repetir. A IA não deixa ninguém mais burro nem mais inteligente. Mas faz você ganhar tempo. E tempo, no mundo dos negócios, é dinheiro”, sintetiza.
Rafael sonha alto, mas com os pés firmes no chão paraense: Ele diz que quer uma região onde o pequeno empreendedor não se sinta pequeno. Onde ele entenda que pode ter acesso às mesmas ferramentas que uma grande empresa tem. E que pode ganhar com isso.
“Muitas vezes, a Amazônia é retratada apenas como espaço de extração de recursos. Precisamos mostrar que inteligência e empreendedorismo tecnológico na região de Carajás ajudam a projetar uma imagem mais completa e conectada ao Século XXI”.
IA dá nova vida à cerâmica de Parauapebas
No coração de Parauapebas, entre feiras de artesanato e sonhos de argila, nasceu o Instituto Mulheres de Barro. O ano era 2003. Sandra de Santos Silva, coordenadora e alma do projeto, lembra com clareza da virada: “Fomos levadas a Belém pelo Sebrae. Era só o começo. Tínhamos argila nas mãos e vontade no peito.”
Começaram como um grupo de artesãs e, aos poucos, descobriram no cooperativismo uma forma de resistir e existir. Mas o que ninguém esperava é que, anos depois, a cerâmica tradicional encontraria a inteligência artificial.
Barro + IA = Inclusão e impacto
A reinvenção chegou sem alarde, mas com propósito. Com apoio técnico de empreendedores locais — que Sandra descreve como “visionários que enxergaram valor na cultura popular” — o Mulheres de Barro deu um salto para o futuro. Hoje, a exposição permanente do instituto conta com:
“Arqueologia e inteligência artificial. Quem diria, né?”, diz Sandra, entre um sorriso tímido e o brilho no olhar de quem viu a tecnologia se dobrar à ancestralidade.
Com uma estrutura educativa que atende da primeira infância à graduação, o Mulheres de Barro quer receber 8.000 pessoas até o final de 2025. A visita começa com uma jornada guiada pela exposição e termina com a mão na massa — literalmente.
“As crianças moldam a argila com as próprias mãos. Depois de ouvir, ver e tocar, elas criam. É uma experiência de imersão sensorial”, explica Sandra, que se orgulha da fusão da tecnologia com algo tão artesanal quanto o barro.
O espaço hoje é ponto turístico, educativo e afetivo. Turistas chegam indicados pelas redes sociais, e os moradores da cidade já adotaram o local como espaço de pertencimento.
“Além da sustentabilidade, oferecemos do acesso às novas tecnologias. Acho que este é um momento muito importante para o município de Parauapebas, porque temos um empreendedor municipal muito interativo com os pequenos setores. Até então, as novas tecnologias, como a inteligência artificial, ficavam muito no campo das grandes instituições, das grandes empresas. Somos um município bastante antenado com isso por causa da mineração, mas os pequenos empreendimentos não tinham acesso. Com esse empreendedor visionário, digo visionário porque ele está focando também nos empreendimentos locais, nos pequenos produtores, na cultura, e houve um grande avanço para a cultura interagir com a IA. E, com isso, podemos garantir melhor acesso às pessoas com deficiência. Por meio da tecnologia, conseguimos incluir audiodescrição, interpretação em Libras, tanto para o público como para visitantes que têm curiosidade de ver como isso acontece”, detalha Sandra.
A experiência do Mulheres de Barro é mais do que tecnologia: é uma aula de como inovar sem perder a essência. Um projeto que une cultura, inclusão, ancestralidade e dados. “Antes, tudo isso parecia distante. Agora, está na palma da nossa mão. Literalmente: basta apontar a câmera do celular. Inteligência Artificial só faz sentido quando serve à coletividade. Aqui, ela ajuda a contar nossas histórias para quem nunca nos ouviria”, contemporiza.
Idelmar aposta no marketing digital para transformar o turismo local
Em pleno coração da lendária Serra Pelada, o passado de ouro está ganhando uma nova cara – e ela é digital. Idelmar Costa da Silva, de apenas 16 anos, morador raiz da vila que ficou famosa mundialmente pelo garimpo nos anos 1980, está ajudando a reescrever essa história com Wi-Fi, QR Code e muito conteúdo criativo.
Idelmar acaba de concluir um curso de marketing digital que rolou durante abril e maio de 2025, numa parceria do Sebrae com a Agência Gestalt. A formação foi oferecida gratuitamente na própria vila e reuniu uma turma de jovens afim de pensar um futuro diferente – e conectado – pra comunidade.
Mas o que esse garoto tem de jovem, tem de visão. Filho e neto de ex-garimpeiros, ele cresceu ouvindo histórias da cava que já rendeu mais de 42 toneladas de ouro. Só que agora, o ouro que Idelmar quer explorar é o potencial turístico e cultural da região, e ele está afiado para isso.
“Cada pedacinho aqui tem uma história. As ruínas, o Pau da Mentira, a Colossus… Tudo isso pode virar experiência de verdade se a gente souber mostrar direito”, diz ele, com brilho no olhar e celular na mão.
E mostrar direito foi exatamente o que eles fizeram. A galera do curso ajudou a produzir um souvenir supercriativo: o chaveiro “Talentos 18 Kilates”, que vem com um QR Code estiloso. Ao escanear o código, o turista acessa uma página cheia de dicas sobre o que ver, onde comer, onde se hospedar e como curtir o melhor da vila. De um jeito prático, bonito e moderno.
“Aprendi muita coisa no curso que eu nem imaginava! Tipo negociar, chamar atenção dos clientes, essas paradas todas. Se eu aplicar isso mesmo, acho que vou conseguir muitos clientes e crescer bastante nesse mundo do marketing”, comemora Idelmar, que já pensa nos próximos passos.
Sebrae e a revolução silenciosa na Região de Carajás
Na encruzilhada entre tradição, minério e empreendedorismo, Ana Suzy Silva Rego conduz uma revolução silenciosa — e altamente tecnológica — no coração do sudeste do Pará. Comunicadora de formação, advogada por vocação e estrategista por natureza, ela é a gerente regional do Sebrae Carajás II, responsável por Parauapebas, Canaã dos Carajás, Curionópolis e Eldorado do Carajás, onde existem mais de 25 mil pequenos negócios.
A missão dela? Fazer a inteligência artificial chegar aonde o Wi-Fi às vezes nem pega direito.
“Por muito tempo, falar de IA era algo que parecia restrito a grandes empresas. Hoje, nosso desafio é mostrar que ela pode ser simples, acessível e transformadora para o pequeno negócio da Amazônia”, resume Ana Suzy.
E ela fala com propriedade. Sob sua liderança, o Sebrae local impulsionou projetos como o Smart City Canaã, desenvolvido em parceria com a UFPA e a Prefeitura de Canaã dos Carajás. O programa já acelerou mais de 30 startups locais, algumas com soluções inovadoras em mineração, logística, educação e turismo — muitas delas usando IA como motor de criação.
Se o passado de Serra Pelada é feito de suor, lama e ouro, o futuro que se desenha agora envolve jovens aprendendo automação digital, engenharia de prompt e ferramentas de marketing com IA.
Por meio do programa Futuro Digital, apoiado por fundos internacionais como o “Al Invest Verde”, Ana Suzy e sua equipe estão capacitando adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade para atuarem como agentes de transformação tecnológica. “Já temos jovens auxiliando negócios de idosos da comunidade que não dominam ferramentas digitais. É um ciclo bonito de aprendizado e impacto”, celebra ela.
Sim, até o mel de abelha e o artesanato em pedra têm espaço na era dos algoritmos. Através do projeto Origens Carajás, o Sebrae organizou um coletivo com 20 empreendimentos criativos da região — produtores de biojoias, biocosméticos, chocolate artesanal, mel, arte em argila e pedras semipreciosas —, conectando tradição com inovação.
O diferencial? Um catálogo digital bilíngue com acesso por QR Code e WhatsApp, que permite a comercialização direta entre turista e produtor. O material já circula em feiras regionais e ações em shoppings e espaços públicos.
Para consolidar toda essa transformação, o Sebrae criou o Carajás Summit, que já está na segunda edição. O evento é uma vitrine de experiências com IA, robótica, 3D, realidade aumentada, turismo digital e pitches de startups locais. A edição de 2025, realizada no dia 30 de maio último, em Parauapebas, recebeu mais de 200 participantes entre empreendedores, estudantes e investidores.
“Mostramos que a Amazônia pensa e cria tecnologia com a sua cara. E que o pequeno negócio não só pode, como deve estar nesse jogo”, afirma Ana Suzy.
O desafio, segundo ela, ainda é cultural: muitos empreendedores não enxergam que já estão usando IA sem saber — seja no catálogo digital criado por uma agência local, seja no uso do ChatGPT para gerar descrições de produtos.
“Nosso papel é mostrar que a IA não vai substituir ninguém. Ela vai otimizar o tempo, ajudar a vender melhor, melhorar o atendimento. É uma ferramenta, não um inimigo.”
E se depender do entusiasmo e da visão de Ana Suzy, a IA vai continuar chegando aos pequenos negócios da Região de Carajás com simplicidade e propósito. É assim que ela sintetiza a importância da ferramenta digital por pequenos produtores: “Tecnologia boa é aquela que cabe na palma da mão e no coração do território.”
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Pequenos negócios fazem da IA sua nova pepita na Capital do Minério
Publicado em 7 de junho de 2025