Do cenário paradisíaco à paisagem mais cobiçada de Marabá, a vista para o rio recebe diferentes significados ao longo dos mais de 30 quilômetros onde há gente morando às margens dos rios Tocantins e Itacaiunas.
Repórteres do CORREIO percorreram essas margens para conhecer personagens, suas vivências e seus dramas.
Ancestralidade, alimento, água, lazer…e prazer. A relação das pessoas com o rio é mais do que apenas um encontro casual de elementos naturais: a cidade respira ele, mora nele e vive dele.
E é sobre eles (no plural mesmo) que resolvemos apresentar narrativas e brindar o leitor do CORREIO no aniversário de 111 anos de Marabá neste 5 de abril de 2024.
São nove histórias, nove personagens, nove trajetórias diferentes, mas todas elas marcadas pelo banzeiro dos rios. Pela água que tange, que banha, que alimenta e que renova os ribeirinhos urbanos todos os dias.
Do cenário paradisíaco à paisagem mais cobiçada de Marabá, a vista para o rio recebe diferentes significados ao longo dos mais de 30 quilômetros onde há gente morando às margens dos rios Tocantins e Itacaiunas.
Repórteres do CORREIO percorreram essas margens para conhecer personagens, suas vivências e seus dramas.
Ancestralidade, alimento, água, lazer…e prazer. A relação das pessoas com o rio é mais do que apenas um encontro casual de elementos naturais: a cidade respira ele, mora nele e vive dele.
E é sobre eles (no plural mesmo) que resolvemos apresentar narrativas e brindar o leitor do CORREIO no aniversário de 111 anos de Marabá neste 5 de abril de 2024.
São nove histórias, nove personagens, nove trajetórias diferentes, mas todas elas marcadas pelo banzeiro dos rios. Pela água que tange, que banha, que alimenta e que renova os ribeirinhos urbanos todos os dias.
A história do pescador que trocou a casa em que morava em Marabá pelo interior do barco, como sonhava seu velho pai
“Sempre morei em Marabá e agora eu tô morando dentro do rio. Eu acho que tá no sangue, porque meu pai desejava ficar assim, só que ele não conseguiu realizar o sonho e eu tô realizando”.
Arão Lopes dos Santos, 63 anos, pescador desde menino, tomou o lugar do pai e fez do Rio Tocantins a sua casa.
Lá pelos 7 anos de idade aprendeu o ofício. Naquele tempo, a pesca era feita com espinhel, dentro de uma canoinha de um pau só, cavada num tronco de árvore.
Quando adulto, o menino se tornou pai de quatro filhos – dois meninos e duas meninas. Comprou terreno, construiu casa e deu tudo para os rebentos porque quis morar no rio.
Foi durante a Semana Santa, há mais de 20 anos, numa quarta-feira, que ele atracou em um beiradão. O peixe que carregava, Adão deu para quem estava por ali, bebendo. O barco ficou por lá e quando a noite caiu, tudo o que ele tinha foi roubado.
“Aí, no outro ano, eu comecei a dormir no barco, achei bom e tal e fiquei por uns dias, abandonei a casa e fiquei no barco direto”, rememora o veterano.
O barco é sua casa e ele não vê diferença entre ele e as que são construídas na terra. “É mermo que tá dentro de casa, eu tenho cozinha, tenho tudo aqui”.
Arão mostra parte de seu rancho, um fardo de arroz, um fardo de milharina, um fardo de leite.
No restante da embarcação, as roupas penduradas nas ripas que sustentam o barco, os bancos servindo de armários e o chão é mesmo que uma sapateira. A cama esticada sobre as ripas colocadas sobre o motor.
Arão é feito da madeira do barco-casa que protege, das águas que o levam por aquela travessia. Da invenção de permanecer naqueles espaços do rio.
Mas ele não se esconde das dificuldades. A água que cai do céu não é tão bondosa quanto a do rio. Quando bate um temporal, dos mais brabos, a corda arrebenta, o barco desce e Arão passa horas tirando a água de dentro da embarcação.
Só que para ele isso não é sofrimento. O pescador aposentado, mas que ainda está na ativa, guarda um único temor: a vida fora do rio.
“Sinceramente, se quiser quebrar minhas pernas é só me tirar da água”.
“Meu peixe favorito assim, para pegar ele, é o jaraqui. Jogar a tarrafa quando ele vem boiando, é gostoso demais, chega o coração dispara”. Dos 7 aos 63 anos o sustento de Arão Lopes é a pescaria. Dele e de tantos outros.
Apesar do sofrimento que ele diz sentir com a prática, o pescador prefere o rio do que a juquira, porque na mata ele não sabe andar. Mas pela água ele caminha com seu barco-casa e conhece as corredeiras, os pedrais, os canais.
“Pra mim a água é tudo. É perigosa, você tem que respeitar, porque é dos velhos, dos antigos, dos meus pais, dos meus avós, água não tem cabelo. Eu tenho muito respeito pela água e todo mundo tem que ter”.
Navegando na terceira margem do rio, em seu centro, Arão está apenas de passagem. Nem lá e nem cá, mas exatamente onde precisa – e quer – estar.
As vezes tomando o lugar do pai, que desejou lançar sua canoa no rio e ali morar. Outras vezes alimentando o próprio querer, estendendo sua existência pelo rio que é o tudo de homem que nasceu para ele, vive dele e, um dia, deixará de existir nele.
De Dona Zenith a Ana Luiza Rocha, as mulheres do Cabelo Seco têm histórias de trabalho, cura e resiliência às margens dos rios Tocantins e Itacaiunas
Histórias de toda natureza vividas às margens dos rios Tocantins e Itacaiunas, em Marabá, remontam aos tempos ancestrais, quando povos indígenas exploravam os recursos naturais abundantes e estabelecendo suas culturas sempre próximo aos rios. Com a chegada dos colonizadores portugueses, a região se tornou palco de intensas atividades comerciais, especialmente devido à importância estratégica dos rios para o transporte de mercadorias e pessoas.
Mas, foi no século XX que o local experimentou um significativo desenvolvimento, impulsionado principalmente pela exploração de recursos naturais, como o extrativismo, a mineração e a agricultura. A chegada da Estrada de Ferro Carajás trouxe um novo impulso econômico à região, facilitando o transporte de minério de ferro e promovendo o crescimento urbano ao longo das margens dos rios.
Hoje, a Orla representa uma área de grande importância cultural, social e econômica para a região. O encontro dos rios Tocantins e Itacaiunas não apenas oferece uma paisagem deslumbrante, mas também representa um ponto de encontro de diferentes culturas e comunidades que habitam a região.
Estamos falando de um centro de atividades comerciais, turísticas e recreativas, com diversos estabelecimentos comerciais, parques e áreas de lazer ao longo de suas margens. É um lugar onde o passado se encontra com o presente, e onde as águas dos dois rios fluem em um eterno ciclo de vida, conectando as pessoas e a natureza em uma harmonia única.
Em Marabá, a história de Ana Luiza Rocha se desdobra como as águas do Tocantins ao redor do famoso Cabelo Seco. Criada por uma mãe batalhadora (Zenith Rocha), que enfrentava a dureza da vida à beira do rio para sustentar seus dez filhos, a senhora de 67 anos desde cedo aprendeu que o rio era mais do que uma paisagem, era a própria essência de sua existência.
Durante décadas, as lavadeiras foram figuras icônicas do bairro, sustentando suas famílias com o trabalho árduo de lavar roupa à beira do rio. Desde o amanhecer até o anoitecer, elas se reuniam nas margens, enfrentando o sol escaldante ou as chuvas torrenciais para garantir que as roupas de seus clientes saíssem limpas e cheirosas.
Essas mulheres, como a mãe de dona Ana, não eram apenas trabalhadoras incansáveis, mas também guardiãs das tradições locais, transmitindo seus conhecimentos e habilidades de geração em geração.
Ela recorda com vivacidade os dias em que, ainda menina, carregava trouxas de roupa escorregadias pela lama até as margens do Tocantins, onde se juntava a outras moradoras para lavar, enxaguar e estender roupas ao sol. Essas atividades, embora árduas, eram o tecido de sua infância, entrelaçadas com risos e conversas à beira do rio: “Hoje temos essa belezura que é a Orla, mas antigamente era bem diferente”.
Evoluções tecnológicas trouxeram mudanças, mas o vínculo com o rio permaneceu inabalável. Máquinas de lavar substituíram os tanques de água, mas a comunidade do Cabelo Seco continuou a descer até as margens para banhar-se e fortalecer os laços que os uniam.
“Temos pessoas que ainda lavam aqui na beira do rio, pois não têm condições de comprar aquela máquina ou tanquinho, ainda, mas em breve, se Deus quiser, vão ter”, prevê dona Ana.
Bastante conhecida na cidade, ela administra com o marido, Orlando, o bar que carrega o nome dele, mas a vida de Ana Luiza não é apenas marcada pelo trabalho. Ela se orgulha da solidariedade que permeia seu bairro, onde cada vizinho é um amigo pronto a estender a mão nos momentos de necessidade. Grupos de mulheres se formam, não apenas para lavar roupa, mas para compartilhar experiências, risos e apoio mútuo.
O bar de Ana Luiza, estrategicamente localizado para oferecer uma vista deslumbrante do Tocantins, tornou-se um ponto de encontro não apenas para os moradores locais, mas também para os visitantes que vêm apreciar a beleza do rio e ouvir as histórias que ele guarda.
“É de cair o queixo a vista maravilhosa que temos aqui, ainda mais agora com a revitalização da Orla que deixou nosso bairro muito valorizado. Então, todo dia as pessoas passam fazendo caminhada, correndo… Muitos saem de outros núcleos só para ver o pôr do sol”, relata.
A enchente anual é um teste de resiliência para a comunidade do Cabelo Seco. Embora desafiadora, ela não é temida, mas aceita como parte inevitável da vida ribeirinha. Quando as águas recuam, deixam para trás não apenas lama, mas também uma sensação de renovação e comunidade fortalecida: “Às vezes o rio vem, e nós vamos, mas a gente sempre volta”.
Para ela, o rio não é apenas uma fonte de subsistência, mas uma ligação vital com sua família e sua comunidade. É nas águas do Tocantins que ela encontra conforto, inspiração e propósito. E é ao longo das margens do rio que sua história e a história de Marabá se entrelaçam, como as águas que fluem inexoravelmente em direção ao horizonte.
“O Rio Tocantins não apenas banha o Cabelo Seco, mas o abraça, unindo suas gentes em um só coração pulsante de gratidão pela dádiva da vida ribeirinha”, levanta.
Ao lado das lavadeiras, os barqueiros também desempenhavam um papel fundamental na vida do Cabelo Seco. Com suas embarcações coloridas e conhecimento profundo do rio, eles se lançavam às águas do Tocantins.
A relação entre as lavadeiras, os barqueiros e o rio eram profundamente simbólicos. O Tocantins não era apenas uma fonte de sustento, mas também uma fonte de vida e inspiração. Suas águas fluíam como o sangue pulsante da comunidade, conectando passado, presente e futuro em um ciclo eterno de trabalho, esperança e renovação.
“Nós começamos a namorar assim, beijando dentro d’água, pra ninguém ver”, relembra encabulada, Shirlene Conceição da Silva
Shirlene: dentro do rio teve a experiência do primeiro beijo com o marido
Foi na margem direita, no sentido que o rio desce, nas doces águas do Tocantins, ali no São Félix Pioneiro, em meio a brincadeiras de crianças, jogando pedras um no outro, que Shirlene Conceição da Silva Dias, de 31 anos, se engraçou pelo namorado e atual esposo.
“Nós começamos a namorar assim, beijando dentro d’água, pra ninguém ver”, relembra encabulada.
A mais velha entre os 12 filhos de um casal de pescadores, Shirlene se acostumou a ver os pais partirem de manhãzinha na canoa, indo pedir a benção da rede cheia para o majestoso Rio Tocantins.
“A gente ficava esperando eles chegarem com o peixe pra vender. Eu já vendi muito peixe na rua e nem compro mais, eu só pego na caixa do meu pai”.
Ainda hoje a filha de pescadores se banha naquele rio e o sorriso sinuoso que esboça ao falar que a natureza ali é boa demais, chega até os olhos, límpidos e brilhantes como as areias das margens do Tocantins.
Na vida de Shirlene, o rio atravessa e deságua nas diversas curvas de sua história. O rio que alimentou sua família foi também seu cupido na adolescência, quando descobriu o amor em meio à água.
Já na margem esquerda do Tocantins, quase que em linha reta, é possível encontrar Misael Moreira tratando e “titicando” os peixes que ele acabara de pescar com sua rede, lá na Rampa da Folha 8, como é conhecido aquele ponto, bem ali onde uma parte da Nova Marabá desemboca no rio.
Aos 54 anos, Misael muito viu nesse trecho de fronteira entre água e terra.
Foi naquele lugar que ele também espiou o concreto se assentando no rio para levantar a primeira ponte rodoferroviária da cidade, inaugurada em 1985. Estrutura construída pelo homem como que domando o rio, se levantando sobre ele, para ligar os núcleos São Félix e Nova Marabá.
Quase quarenta anos depois, os olhos que vislumbraram a construção pioneira agora observam outras duas estruturas de aço e concreto serem erguidas meio que “empareadas” com a primeira.
As lembranças daquele tempo, da ponte e da pesca, ganham vida na história do pescador.
“Eu pesco há 25 anos, aqui no Tocantins, pesquei lá no lago (de Tucuruí) também. Mas agora acabou o peixe, eu não trabalho com isso mais não (sic)”.
Durante 25 anos, Misael pescou para vender peixe. Hoje, só para alimentar a família
O peixe que antes era gordo e suculento, agora é pequeno e mirrado, ou, nas palavras do pescador, o peixe acabou, agora só tem peixinho.
O ofício que alimentou a casa de Misael durante tantos anos, agora é um prazer de final de semana. O peixe que ele recolhe não é suficiente para garantir a despesa da família, mas é o bastante para manter vivo o costume da pesca.
O Tocantins que sustenta Shirlene e Misael transmuta suas cores ao longo do ano. Hora marrom, igual a terra que é transportada em sua correnteza em época de chuvarada; hora límpida e de um azul ensolarado, como o verão que castiga suas margens com o sol a pino.
Mas o verde, esse é perpétuo, disputa espaço com as moradias que vão se amontoando nas beiras do rio. Verde que continua lá, faça chuva ou faça sol.
A popular Maria Marrite, de 79 anos, revela que prefere lavar roupas no rio do que em máquinas, em casa, como sugere sua filha
Maria Marrite traz à superfície palavras que alumiam a sabedoria que só quem nasceu em outro século é capaz de navegar: “a água é tudo”.
O correr do tempo não é linear. Ele desliza sinuoso pelos vãos da existência. Hora marcado em dias, hora marcado em anos, hora apenas esquecido.
Quando lembrado, ele pode ser revivido e Maria Conceição Pessoa Bezerra, a popular Maria Marrite, aos 79 anos de vida é uma marca do tempo.
Atualmente, ela mora em uma casinha de madeira construída na margem da rampa de asfalto que conecta o rio com os quintais do São Félix Pioneiro, à margem do Rio Tocantins.
Os dias de menina foram demarcados pelo bater da roupa na pedra, ofício de lavadeira que aprendeu com a avó.
“Adoro lavar roupa no rio. A minha filha tem máquina, daquelas que enxugam, aí eu digo pra ela que isso só presta pra estragar a roupa”, confidencia a anciã com um sorriso zombeteiro.
Já mais velha, o tanque e a água encanada substituíram a beira do rio, quando ela foi ganhar dinheiro lavando roupa para militares do Exército, na Folha 21, Nova Marabá.
Os olhos que ficam atentos ao sabão que escorre da roupa e ondula para o rio são os mesmos que há anos viram os barcos cheios de castanhas descerem o Rio Tocantins, passando por Marabá e indo rumo a Tucuruí – e de lá para Belém.
Desse tempo, Maria lembra que eram muitos os barcos e grandes os motores e aqui por essa terra só se saía e entrava de dois jeitos: pelo ar ou pela água. As estradas ainda não estavam abertas.
De presente – ou de castigo – duas coisas lhe assombraram nesse rio: a boiuna e o boto.
A cobra grande ela encontrou numa noite de brincadeira por aquelas margens, acompanhada de duas amigas.
“Eu vi ela. Eu tava lá no porto do Geladinho e ela apareceu ali onde era o Paraguaçu. Uma coisa muito horrível, é um coqueirão preto, aí ela desceu. Era a cobra mais horrível do mundo”. Tamanho o susto, o trio se apavorou e fugiu.
Com os botos era diferente, eles vinham quando Maria ia lavar roupa num vão do Tocantins. Ela era moça e eles faziam a festa, mas partiam quando mais alguém chegava.
Só que nem a cobra e nem o boto dão mais medo em Maria do que o sofrimento que o homem causa ao rio. “Essa água linda, maravilhosa, que hoje é muito poluída pelo ser humano. Era a coisa que eu mais queria na minha vida, que o ser humano respeitasse a natureza”.
Maria Marrite traz à superfície palavras que alumiam a sabedoria que só quem nasceu em outro século é capaz de navegar: a água é tudo.
“É uma maravilha, o pensamento da gente vai muito longe, é a vida. A gente lembra que nasceu, cresceu vendo essa água linda, maravilhosa”.
Enamorada pelo rio, ela garante que sua lembrança preferida é de se banhar no Tocantins. De pescaria ela quer distância, só gosta de dar o de comer para os peixes, mas de fisgá-los não. “Eu gosto mesmo é de tomar banho e ver a água”.
De todas as coisas que o tempo construiu, quatro são aquelas que dão comichão de felicidade na anciã: a água, o sol, a lua e a terra.
As mesmas quatro se convertem no rio: a água que o enche, o sol que ondula em seu reflexo, a lua que banha a superfície e a terra que se funde em suas profundezas.
Conheça Pedro Pereira, pescador e morador do Porto do Tacho há 46 janeiros, onde o quintal de casa fica à margem do Itacaiunas
“Eu devo favor a esse rio, nasci na beira dele, bebi e bebo da sua água, então pra mim ele é minha vida”
É fim de tarde, o sol está para se pôr. À minha frente está sentado um homem que, com o rosto reflexivo, me espera para compartilhar sua história. E ela se passa aqui, à margem esquerda do Rio Itacaiunas, ou melhor, o “beiradão”. – Nós já vamos começar seu Pedro.
O curso de água que nasce na Serra Seringa, desemboca à esquerda do Rio Tocantins e dá graça. Tão graciosa são suas curvas, que as trouxeram até aqui à nossa amada Marabá (bela). E é sobre essa sinuosidade que nasce a história do nosso personagem, oriundo de uma vida inteira girando em torno do rio, onde antes mesmo de andar, ele nada. Pedro Pereira, de 46 anos, pescador e morador do Porto do Tacho, na Cidade Nova. Aqui nasceu, andou pelas ruas do Sororó, constituiu família, foi embora, mas não houve nada que o fizesse esquecer a liberdade de morar ali, no “beiradão”, um favo de mel.
Na lembrança, as poucas memórias da infância, o tempo da fartura, dos trabalhos na roça, coisas que o tempo deixou para trás. “Pedrão”, como é conhecido, é de família pobre, e começou a ter responsabilidades de “gente grande” quando ainda era um menino. Aos 14 anos foi pai, e como a vida cobra, teve de abdicar de outros sonhos… “Não tive estudo e minha vida foi construída com muita luta”.
Hoje, casado, pai de quatro filhos e avô de um neto, sobrevive da vida de pescador, das noites mal dormidas, do tempo fechado para pesca, do sereno da noite que traz o frio e a solidão… A luta que dura de seis a dez dias, só ele e a rabeta, na peleja que traz a renda e o alimento.
Nas aventuras da vida, sem estudo e com filho para criar, o trabalho de vaqueiro se consolidou no interior de Bom Será, na Cachoeira Grande. De lá para cá, foram muitas outras profissões até se encontrar. – E me encontrei. Bem aqui sob esse imenso “beiradão” onde o sol nasce cedo, e a lua chega mais tarde, onde os peixes me saúdam e me indicam o lugar certo para pescar.
Acorda cedo, busca a rabeta, apronta a malhadeira e a rede, o tempo é tão precioso quanto a junção das águas do Itacaiunas. E agora, parando para olhar, o tempo escoou, de maneira acelerada, bem na minha frente. Neste instante ele percebeu: faz 12 anos que a proa corta o vento sustentando em dias de viagem, a saudade da família.
E seguindo rio abaixo, o pescador contempla sua beleza. Um… Dois… Três… 12 anos em que a rabeta se torna leve, e segue beijando o Rio Itacaiunas, coroando o que resta de verde por ali. E como tudo na vida, nem tudo são flores, ou melhor, há dias em que o rio não está para peixe. “Diferente de antigamente, hoje precisamos viajar por muitos dias para encontrar o peixe para vender e sustentar a família”.
Em tempos de seca a preocupação é ainda maior. Com a ausência do inverno, o peixe desaparece dos rios. “É quando não temos água para subir o rio, é sofrimento”. Como se não bastasse a estiagem, a enchente traz uma inquietação. “A maioria das vezes é quando eu estou no rio pescando, e minha esposa que se vira sozinha pra arrumar tudo em casa”.
Apesar do sobe e desce do rio, e de perder objetos de casa, o pescador diz que é grato, pois sabe que sem as chuvas do inverno, no verão não há como sobreviver. O sofrimento maior para Pedro é pensar em viver longe da beira do rio. “Tudo que eu tenho está aqui, minha família, meus conhecidos, minha história”.
Ainda que tenha tentado, durante todo o percurso de vida, o pescador relembra que sempre retornou para o mesmo lugar. “Eu devo favor a esse rio, nasci na beira dele, bebi e bebo da sua água, então pra mim ele é minha vida”.
Adiante, ele revela um dos seus maiores medos. “Medo de ver esse rio secar um dia, é melhor morrer primeiro do que ver ele secar”.
Pedro é uma das centenas, milhares de pessoas que sobrevivem da pesca em Marabá, que enfrentam dias bons e ruins, mas que acima de tudo têm esperança em dias melhores. Pedro é um homem que contempla a beleza natural dada pelo Criador, que se banha e bebe da água do Itacaiunas, riqueza da nossa Marabá (bela).
No badalado Balneário das Mangueiras Luzia tira o sustento dela e do neto. Sempre pega jacumã para fisgar um voador, o seu peixe preferido
Dona Luzia: “O rio é maravilhoso. Quando a gente chega na beira dele, se diverte e se sente bem”
Há quase 30 anos, Luzia Pereira de Sousa construiu sua morada na beira do Rio Tocantins, ali no Balneário das Mangueiras, próximo à Folha 25 da Nova Marabá.
Todo dia Dona Luzia, como é carinhosamente conhecida, olha para sua paisagem preferida, seu quintal, seu rio.
Aos 71 anos, o rosto é marcado pelos desenhos sinuosos do tempo. As doces rugas da anciã são como um registro das lembranças que escorrem pelo vale da memória.
A recordação que borbulha na mente madura traz à tona uma época em que Luzia, os três filhos ainda crianças e o esposo, aos domingos, pegavam a canoa e partiam pelo rio. Ali eles pegavam a mistura – o peixe – e depois desembarcavam na outra margem.
“Ia nós cinco e pegava aquele peixe, assava, às vezes levava galinha, carne, porque às vezes não pegava o peixe (sic). Passava o dia todinho lá”.
O banzeiro do tempo se encarregou de modificar o quadro pintado na mente de Luzia. O marido morreu há dois anos, os filhos não moram mais com ela e hoje a dona de casa cria um neto de 16 anos.
O que não mudou, no arrastar desses anos, foi a paixão de Dona Luzia pelo rio. Quando tem quem lhe faça companhia, ela sobe na canoa e vai jogar sua isca no intento de fisgar um voador (espécie de peixe), o seu preferido.
“No dia que eu vou tudo mudo, porque no outro já me sinto bem. Parece que é a minha vida, porque viver só dentro de casa, ocupada, pensando coisa ruim, num dá (sic)”.
Nascida em Bacabal, no Maranhão, município cortado pelo Rio Mearim, Luzia caminhou para cima e para baixo. Sua andança foi tanta, que ela chegou em Porto Velho, Rondônia, e a correnteza da vida a trouxe até Marabá.
De todos os lares que ela já teve, a beira do Tocantins é o seu preferido.
“Eu penso que eu tô no paraíso. Todo mundo chega, me abraça, dá uma palavra de amor e eu me sinto bem, por isso. Depois que meu esposo morreu meus meninos fala ‘mãe vamos vender isso aqui’ e aí eu digo ‘pra onde que eu vou?’. Se eu sair daqui eu vou pra longe, eu não vou ficar no Marabá (sic)”.
Entre a casa, construída no alto, e o rio, Dona Luzia cultiva cheiro verde, boldo, couve, cana e tantos outros alimentos. Hoje, com a água do poço, o aguar das plantas é menos trabalhoso, basta encher o balde na pia e descer – reclamando – as escadas.
Mas houve um tempo que não existia o poço e o Tocantins era quem fornecia a água para molhar as plantas, cozinhar, tomar banho e beber.
“Quando não tinha poço eu pegava na cabecinha e regava, trazia e aguava. Contava todo dia 12 baldes de água pra banhar e aguar as plantas (sic)”.
Ainda que o banzeiro do tempo carregue os anos e os dias, ainda que as águas do Tocantins sigam seu fluxo, o rio é um companheiro constante na vida de Dona Luzia.
“Ele é maravilhoso. Quando a gente chega na beira dele, a gente se diverte, se sente bem”.
Sempre ali no fundo da casa, embelezando a vista que ela tem ao fazer as tarefas do dia. Guardando a memória de uma vida vivida dentro e fora d’agua, no rio, para o rio e pelo rio.
As motivações de Estanislau Cordeiro, oficial da reserva da PM, que decidiu voltar a Marabá e enraizar-se às margens do rio que o encantou
“Consegui perceber que a comunidade do Cabelo Seco está intrinsecamente ligada ao rio e isso é muito especial”
Estanislau Cordeiro da Silva, um veterano oficial da reserva da Polícia Militar, aos 67 anos, tem uma relação de décadas com a Orla do Rio Tocantins, um local onde viu transformações significativas desde que pisou em suas terras pela primeira vez, em 1986. Passou um período fora e retornou no ano passado definitivamente, trazendo consigo sua família.
A mudança foi motivada pela decisão de seus filhos de frequentarem a faculdade na cidade e pelo desejo de se estabelecerem aqui.
O Cabelo Seco passou a ser mais do que um local de residência para o coronel e sua família. É onde construíram sua vida, criaram laços com a comunidade e enfrentaram desafios juntos. Após o falecimento de sua mãe, em Belém, Estanislau se voltou mais fortemente para sua esposa e quatro filhos, que se tornaram o centro de sua vida ali: “Me liguei à família daqui”.
A jornada de Estanislau pela cidade o levou a residir em diferentes áreas, desde a Folha 28 até a Folha 32, antes de, finalmente, se estabelecer a poucos metros do rio. Esse processo de acomodação envolveu mudanças frequentes, buscando encontrar um espaço que atendesse às necessidades de sua família: “Construímos uma casa na área, onde estamos há mais de uma década e que representou a estabilidade e a segurança que buscávamos”.
A ligação de Cordeiro com o bairro vai além das fronteiras de sua residência. Ele se envolveu ativamente na comunidade, servindo como presidente de associação em uma ocasião. Durante esse período, trabalhou arduamente para resolver problemas locais e promover o bem-estar dos moradores. Essa experiência fortaleceu sua ligação com a região e sua determinação em contribuir para seu desenvolvimento.
“A gente procurava resolver da melhor maneira possível. Aquilo que um presidente pode fazer. Consegui perceber que a comunidade está intrinsecamente ligada ao rio e que por muito tempo foi meio de sobrevivência de muitos aqui”, analisa o coronel.
Apesar de belenense e de ter passado anos longe do Cabelo Seco, a relação de Estanislau com o Rio Tocantins é complexa e multifacetada. Ele testemunhou a evolução da orla, desde os tempos em que as famílias lavavam roupa e pescavam nas águas límpidas do rio até a transformação em um ponto turístico.
Além disso, acompanhou a remoção de algumas famílias devido ao desenvolvimento urbano. Situação essa que deixou marcas na comunidade, especialmente naqueles que tinham uma conexão profunda com o rio e suas atividades tradicionais: “Ficaram insatisfeitos e saíram contrariados por causa dessa relação íntima com rio, graças à pesca e à sobrevivência.”
Além das atividades cotidianas, o rio também proporciona momentos de lazer para os moradores, especialmente durante as cheias, quando as praias se formam e a população local e os turistas se reúnem para desfrutar da água. Estanislau vê isso como uma oportunidade de promover atividades esportivas e recreativas, buscando envolver a juventude da comunidade.
“Eu sonhei com um projeto esportivo de jogos que pudessem ser realizados durante o período de cheia do Tocantins. Queria proporcionar lazer àquele jovem que nada, pratica canoagem, remo, mas não tive êxito na procura por patrocinadores”, lamenta.
Sobre as enchentes, ele diz que a história de Marabá é enlaçada com a do Rio Tocantins. Recorda a narrativa dos primeiros colonizadores, como Francisco Coelho, até os dias atuais. Também fala que a fúria das águas sempre foram uma preocupação para os moradores, levando à criação da Cidade Nova como medida de proteção.
“Mas, a Velha Marabá continua sendo o coração da cidade, com seu comércio pulsante e sua comunidade resiliente”, reconhece.
Estanislau relembra vividamente a pior enchente que testemunhou, ocorrida há dois anos, quando a água invadiu sua casa. Essa experiência o fez repensar sua permanência na área, mas sua adaptação e sua conexão com a comunidade o tranquilizaram. Apesar dos desafios das enchentes, ele permanece comprometido com Cabelo Seco, vendo o local não apenas como um lugar para viver, mas como um lar cheio de histórias e significado, ao qual tem muito carinho.
Como um velho piloto navegou por décadas pelo Rio Tocantins para prover sustento para uma família que até hoje vive às margens dele
Ao se mudar para o “bairro do Amor”, Maria Lúcia selou seu destino ao lado de Manoel à margem do rio
Manoel Duarte Dias, aos seus respeitáveis 84 anos, é um homem cuja vida se entrelaça com as águas do Rio Tocantins. Nascido e criado no bairro Santa Rosa, ele vivenciou a luta do trabalho árduo e viu de tudo: desde os dias de colheita nos campos até as jornadas na extração de diamantes e castanha-do-pará.
Narra que a história do Rio Tocantins está intimamente ligada ao transporte fluvial e ao comércio que se desenvolveram ao longo de suas margens: “Uma das atividades econômicas mais significativas era o transporte de castanha. Ela era a principal fonte de renda para muitas comunidades da região”, recorda.
Recorda que esse transporte era feito 100% por barcos que navegavam pelo Tocantins, levando a produção das comunidades ribeirinhas até Belém, onde era e até hoje é processada e exportada. Cada safra era fundamental para a economia local e para a subsistência de muitas famílias que viviam ao longo das margens do rio, como a dele.
“Além do comércio de castanha, o Rio Tocantins também era utilizado para o transporte de outras mercadorias, como produtos agrícolas, madeira, minerais e até mesmo pessoas”, explica. É que a navegação fluvial desempenhou um papel crucial na conectividade e no desenvolvimento no interior do Pará, onde as estradas muitas vezes eram escassas ou inexistentes, mas também em sua vida.
Com apenas 16 anos, Manoel embarcou em uma jornada para aprender a arte de navegar pelos rios, uma habilidade essencial numa época em que esse tipo de transporte era imprescindível. Aprendeu com destreza, se tornando um dos poucos pilotos capazes de navegar tanto no Tocantins quanto no Araguaia. Junto a poucos outros, como Lucas Matheus, Caboclo Marabá e o saudoso Pedrinho, ele garante que dominou os intricados caminhos dessas vias fluviais.
“Os desafios eram inúmeros”, Manoel recorda com orgulho das quatro cachoeiras temíveis que desafiavam sua perícia e coragem: de Santo Antônio a Taquari, enfrentou correntezas e perigos que poucos ousavam desafiar. Reconhecido como um dos pilotos heróis pela capitania dos portos, ele e seus companheiros enfrentaram o desconhecido em cada curva e cachoeira do rio.
Para ele, os rios são uma fonte inesgotável de riqueza. Durante décadas, testemunhou a exploração de diamantes e ouro, sabendo que as águas guardavam segredos preciosos ainda por descobrir. Mas, segundo Manoel, o verdadeiro tesouro sempre foi a própria água, um bem inestimável e indispensável.
Apesar da idade avançada e dos perigos inerentes à navegação fluvial, Manoel ainda se vê irresistivelmente atraído pelo rio. Seu filho, Ademar, relata que mesmo agora, Manoel não pode resistir a uma escapadinha para as águas que moldaram sua vida. Para ele, o rio é mais do que um cenário ou uma fonte de subsistência – é um elo indissolúvel com suas origens e sua essência.
Reminiscências de dias de pesca com o pai surgem, evocando tempos em que pescar não era um luxo, mas uma questão de sobrevivência: “Lembro de uma época em que os rios eram abundantes em variedades como Curimatá, Jaraqui, Pacu Manteiga e outros peixes, contrastam com a extravagância da pesca atual, onde o excesso é comum e o desperdício uma realidade”, lamenta.
Em Marabá, assim como em muitas outras cidades ao longo do Rio Tocantins, a poluição é uma preocupação ambiental significativa que afeta diretamente a qualidade da água e a saúde dos ecossistemas aquáticos. A atividade industrial, o crescimento urbano desordenado e a falta de infraestrutura adequada para o tratamento de resíduos têm contribuído para a poluição do rio na área. Poluição essa percebida por dona Maria Lúcia Gomes Dias, esposa de seu Manoel.
Ela clama por ações urgentes dos governantes e por uma mudança de mentalidade na população, a fim de proteger esse tesouro natural que flui em suas veias como sangue: “Nossos governantes deveriam olhar mais para o Tocantins. Somos privilegiados em tê-lo e as pessoas não parecem mensurar tamanha benção. Não fazem questão de protegê-lo”, pontua.
Originária de Cuiabá, Mato Grosso, ela encontrou sua segunda casa em Marabá em meados de 1962. Desde então, suas raízes se estenderam profundamente na Terra Bendita, como um rio que se ramifica em afluentes, moldando sua identidade e seu destino.
Ao se mudar para o “bairro do Amor”, Maria Lúcia selou seu destino ao lado de Manoel. Juntos, eles ergueram uma família, desafiando as correntezas da vida com coragem e determinação. Seis filhos foram criados sob o olhar atento do rio, testemunhas silenciosas de uma união fundida pela força das águas: “Foram criados à beira do Rio Tocantins, enquanto eu lavava roupa, eles ficavam debaixo da minha saia”.
E falando de rio, fica impossível não falar das memórias das enchentes, vivas em sua mente, dos tempos em que precisavam improvisar para manter os pertences secos enquanto a água invadia sua casa: “O rio tava dentro de casa e meu velho fazia um assoalho para passarmos os móveis para cima enquanto a água passava por baixo”, relata.
Apenas em 1979 e 1980 é que não puderam ficar, mas hoje, não se veem partindo em suas formas físicas, apenas em espírito. Esperam poder repousar onde chamam e sentem como lar.
Na periferia do núcleo Liberdade, à margem do Itacaiunas, o empreendedor Fagno Costa faz a gestão de um restaurante que já era tradição mesmo antes da criação recente do Parque Ambiental do Vavazão
“O acompanhante do meu prato não é o arroz, o feijão, a farofa ou o peixe: é o rio”
Quando se procura em um bom lugar para comer peixe, em Marabá, muita gente pensa logo na Orla do Rio Tocantins, onde restaurantes tradicionais servem tucunaré na manteiga e outras iguarias vindas do rio.
Mas fora desse roteiro gastronômico tradicional, o Correio de Carajás apresenta neste aniversário de Marabá outro lugar, tão especial quanto os demais, e que muita gente só está descobrindo agora por causa da construção de uma minúscula orla no Balneário Vavazão, no Rio Itacaiunas.
O velho balneário criado no início da década de 1990 é ponto turístico, sim, com restaurantes e uma culinária marcante, em frente à foz do Rio Sororó, com um espetáculo da natureza no verão, oferecendo corredeiras e uma ilha com praia bem no meio.
Naquela região, com indicação do Ministério Público Estadual, a Prefeitura plantou as raízes para criar o chamado Parque Ambiental do Vavazão, onde o personagem dessa notícia trabalha.
Fagno Costa tem 35 anos e é um jovem empreendedor que herdou o restaurante “Peixe e cia. bar e restaurante” dos pais, Eduardo de Souza e Lenir da Costa. Eles começaram tudo há 22 anos e se tornou tradição no balneário.
“Meu pai nos trouxe para essa beira de rio e hoje não saímos mais”, afirma Netinho, como é chamado pelos muitos clientes que chegam ao local de domingo a domingo.
Numa tarde descontraída, “Netinho” relembrou os passos do pai, um caminhoneiro que virou pescador. Com quatro filhos, o homem enxergou nas águas do Itacaiunas a fonte do alimento e do viver, onde a água era como um espelho que refletia sobre o futuro que seria construído ali. E assim o fez.
Fagno revela que trabalhou em outros ramos, e que ao se ver desempregado, enxergou no pai o modelo para ser proprietário e começar a gerir o seu negócio. Sorridente, ele diz nunca imaginar chegar a ter um negócio tão promissor. “Atendemos clientes de toda a região sul do Pará. Eu nunca imaginei que viesse gente de tão longe”.
O empreendedor revela o segredo dos seus pratos: o tucunaré e o rio, uma junção perfeita. “Eu quero que meus clientes retornem pelo peixe, não pelo acompanhamento do prato”.
Ele também celebra sobre a geração de emprego e renda que sua empresa deu a outras pessoas. “O mais gratificante é ver que, de alguma forma, estou ajudando outras famílias a crescerem e ter uma condição de vida melhor”, destaca.
A família de Fagno acompanhou o crescimento da comunidade e ele não nega o preconceito que o ambiente Vavazão ainda sofre. “Muitas pessoas chegam para mim falando que tinham medo de vir aqui, e quando vêm enxergam algo totalmente diferente. O meu restaurante também quebra esse estigma”, diz.
Com a transformação da área pelo poder público nos últimos meses, o Parque Ambiental Vavazão se tornou um ambiente ainda mais familiar, onde no final da tarde crianças brincam e famílias de outras cidades vão para lá.
A simbologia da culinária de Fagno revela a paixão pelo rio, onde tudo começou. “O acompanhante do meu prato não é o arroz, o feijão ou a farofa, é o rio”, pontua. O empreendedor procura preservar a própria história que teve início com seu pai, e que apesar de não ter filhos, espera que seja continuada pela sua próxima geração.
A história do pescador que trocou a casa em que morava em Marabá pelo interior do barco, como sonhava seu velho pai
“Sempre morei em Marabá e agora eu tô morando dentro do rio. Eu acho que tá no sangue, porque meu pai desejava ficar assim, só que ele não conseguiu realizar o sonho e eu tô realizando”.
Arão Lopes dos Santos, 63 anos, pescador desde menino, tomou o lugar do pai e fez do Rio Tocantins a sua casa.
Lá pelos 7 anos de idade aprendeu o ofício. Naquele tempo, a pesca era feita com espinhel, dentro de uma canoinha de um pau só, cavada num tronco de árvore.
Quando adulto, o menino se tornou pai de quatro filhos – dois meninos e duas meninas. Comprou terreno, construiu casa e deu tudo para os rebentos porque quis morar no rio.
Foi durante a Semana Santa, há mais de 20 anos, numa quarta-feira, que ele atracou em um beiradão. O peixe que carregava, Adão deu para quem estava por ali, bebendo. O barco ficou por lá e quando a noite caiu, tudo o que ele tinha foi roubado.
“Aí, no outro ano, eu comecei a dormir no barco, achei bom e tal e fiquei por uns dias, abandonei a casa e fiquei no barco direto”, rememora o veterano.
O barco é sua casa e ele não vê diferença entre ele e as que são construídas na terra. “É mermo que tá dentro de casa, eu tenho cozinha, tenho tudo aqui”.
Arão mostra parte de seu rancho, um fardo de arroz, um fardo de milharina, um fardo de leite.
No restante da embarcação, as roupas penduradas nas ripas que sustentam o barco, os bancos servindo de armários e o chão é mesmo que uma sapateira. A cama esticada sobre as ripas colocadas sobre o motor.
Arão é feito da madeira do barco-casa que protege, das águas que o levam por aquela travessia. Da invenção de permanecer naqueles espaços do rio.
Mas ele não se esconde das dificuldades. A água que cai do céu não é tão bondosa quanto a do rio. Quando bate um temporal, dos mais brabos, a corda arrebenta, o barco desce e Arão passa horas tirando a água de dentro da embarcação.
Só que para ele isso não é sofrimento. O pescador aposentado, mas que ainda está na ativa, guarda um único temor: a vida fora do rio.
“Sinceramente, se quiser quebrar minhas pernas é só me tirar da água”.
“Meu peixe favorito assim, para pegar ele, é o jaraqui. Jogar a tarrafa quando ele vem boiando, é gostoso demais, chega o coração dispara”. Dos 7 aos 63 anos o sustento de Arão Lopes é a pescaria. Dele e de tantos outros.
Apesar do sofrimento que ele diz sentir com a prática, o pescador prefere o rio do que a juquira, porque na mata ele não sabe andar. Mas pela água ele caminha com seu barco-casa e conhece as corredeiras, os pedrais, os canais.
“Pra mim a água é tudo. É perigosa, você tem que respeitar, porque é dos velhos, dos antigos, dos meus pais, dos meus avós, água não tem cabelo. Eu tenho muito respeito pela água e todo mundo tem que ter”.
Navegando na terceira margem do rio, em seu centro, Arão está apenas de passagem. Nem lá e nem cá, mas exatamente onde precisa – e quer – estar.
As vezes tomando o lugar do pai, que desejou lançar sua canoa no rio e ali morar. Outras vezes alimentando o próprio querer, estendendo sua existência pelo rio que é o tudo de homem que nasceu para ele, vive dele e, um dia, deixará de existir nele.
De Dona Zenith a Ana Luiza Rocha, as mulheres do Cabelo Seco têm histórias de trabalho, cura e resiliência às margens dos rios Tocantins e Itacaiunas
Histórias de toda natureza vividas às margens dos rios Tocantins e Itacaiunas, em Marabá, remontam aos tempos ancestrais, quando povos indígenas exploravam os recursos naturais abundantes e estabelecendo suas culturas sempre próximo aos rios. Com a chegada dos colonizadores portugueses, a região se tornou palco de intensas atividades comerciais, especialmente devido à importância estratégica dos rios para o transporte de mercadorias e pessoas.
Mas, foi no século XX que o local experimentou um significativo desenvolvimento, impulsionado principalmente pela exploração de recursos naturais, como o extrativismo, a mineração e a agricultura. A chegada da Estrada de Ferro Carajás trouxe um novo impulso econômico à região, facilitando o transporte de minério de ferro e promovendo o crescimento urbano ao longo das margens dos rios.
Hoje, a Orla representa uma área de grande importância cultural, social e econômica para a região. O encontro dos rios Tocantins e Itacaiunas não apenas oferece uma paisagem deslumbrante, mas também representa um ponto de encontro de diferentes culturas e comunidades que habitam a região.
Estamos falando de um centro de atividades comerciais, turísticas e recreativas, com diversos estabelecimentos comerciais, parques e áreas de lazer ao longo de suas margens. É um lugar onde o passado se encontra com o presente, e onde as águas dos dois rios fluem em um eterno ciclo de vida, conectando as pessoas e a natureza em uma harmonia única.
Em Marabá, a história de Ana Luiza Rocha se desdobra como as águas do Tocantins ao redor do famoso Cabelo Seco. Criada por uma mãe batalhadora (Zenith Rocha), que enfrentava a dureza da vida à beira do rio para sustentar seus dez filhos, a senhora de 67 anos desde cedo aprendeu que o rio era mais do que uma paisagem, era a própria essência de sua existência.
Durante décadas, as lavadeiras foram figuras icônicas do bairro, sustentando suas famílias com o trabalho árduo de lavar roupa à beira do rio. Desde o amanhecer até o anoitecer, elas se reuniam nas margens, enfrentando o sol escaldante ou as chuvas torrenciais para garantir que as roupas de seus clientes saíssem limpas e cheirosas.
Essas mulheres, como a mãe de dona Ana, não eram apenas trabalhadoras incansáveis, mas também guardiãs das tradições locais, transmitindo seus conhecimentos e habilidades de geração em geração.
Ela recorda com vivacidade os dias em que, ainda menina, carregava trouxas de roupa escorregadias pela lama até as margens do Tocantins, onde se juntava a outras moradoras para lavar, enxaguar e estender roupas ao sol. Essas atividades, embora árduas, eram o tecido de sua infância, entrelaçadas com risos e conversas à beira do rio: “Hoje temos essa belezura que é a Orla, mas antigamente era bem diferente”.
Evoluções tecnológicas trouxeram mudanças, mas o vínculo com o rio permaneceu inabalável. Máquinas de lavar substituíram os tanques de água, mas a comunidade do Cabelo Seco continuou a descer até as margens para banhar-se e fortalecer os laços que os uniam.
“Temos pessoas que ainda lavam aqui na beira do rio, pois não têm condições de comprar aquela máquina ou tanquinho, ainda, mas em breve, se Deus quiser, vão ter”, prevê dona Ana.
Bastante conhecida na cidade, ela administra com o marido, Orlando, o bar que carrega o nome dele, mas a vida de Ana Luiza não é apenas marcada pelo trabalho. Ela se orgulha da solidariedade que permeia seu bairro, onde cada vizinho é um amigo pronto a estender a mão nos momentos de necessidade. Grupos de mulheres se formam, não apenas para lavar roupa, mas para compartilhar experiências, risos e apoio mútuo.
O bar de Ana Luiza, estrategicamente localizado para oferecer uma vista deslumbrante do Tocantins, tornou-se um ponto de encontro não apenas para os moradores locais, mas também para os visitantes que vêm apreciar a beleza do rio e ouvir as histórias que ele guarda.
“É de cair o queixo a vista maravilhosa que temos aqui, ainda mais agora com a revitalização da Orla que deixou nosso bairro muito valorizado. Então, todo dia as pessoas passam fazendo caminhada, correndo… Muitos saem de outros núcleos só para ver o pôr do sol”, relata.
O VEM E VAI
A enchente anual é um teste de resiliência para a comunidade do Cabelo Seco. Embora desafiadora, ela não é temida, mas aceita como parte inevitável da vida ribeirinha. Quando as águas recuam, deixam para trás não apenas lama, mas também uma sensação de renovação e comunidade fortalecida: “Às vezes o rio vem, e nós vamos, mas a gente sempre volta”.
Para ela, o rio não é apenas uma fonte de subsistência, mas uma ligação vital com sua família e sua comunidade. É nas águas do Tocantins que ela encontra conforto, inspiração e propósito. E é ao longo das margens do rio que sua história e a história de Marabá se entrelaçam, como as águas que fluem inexoravelmente em direção ao horizonte.
“O Rio Tocantins não apenas banha o Cabelo Seco, mas o abraça, unindo suas gentes em um só coração pulsante de gratidão pela dádiva da vida ribeirinha”, levanta.
FONTE DE SUSTENTO
Ao lado das lavadeiras, os barqueiros também desempenhavam um papel fundamental na vida do Cabelo Seco. Com suas embarcações coloridas e conhecimento profundo do rio, eles se lançavam às águas do Tocantins.
A relação entre as lavadeiras, os barqueiros e o rio eram profundamente simbólicos. O Tocantins não era apenas uma fonte de sustento, mas também uma fonte de vida e inspiração. Suas águas fluíam como o sangue pulsante da comunidade, conectando passado, presente e futuro em um ciclo eterno de trabalho, esperança e renovação.
“Nós começamos a namorar assim, beijando dentro d’água, pra ninguém ver”, relembra encabulada, Shirlene Conceição da Silva
Shirlene: dentro do rio teve a experiência do primeiro beijo com o marido
Foi na margem direita, no sentido que o rio desce, nas doces águas do Tocantins, ali no São Félix Pioneiro, em meio a brincadeiras de crianças, jogando pedras um no outro, que Shirlene Conceição da Silva Dias, de 31 anos, se engraçou pelo namorado e atual esposo.
“Nós começamos a namorar assim, beijando dentro d’água, pra ninguém ver”, relembra encabulada.
A mais velha entre os 12 filhos de um casal de pescadores, Shirlene se acostumou a ver os pais partirem de manhãzinha na canoa, indo pedir a benção da rede cheia para o majestoso Rio Tocantins.
“A gente ficava esperando eles chegarem com o peixe pra vender. Eu já vendi muito peixe na rua e nem compro mais, eu só pego na caixa do meu pai”.
Ainda hoje a filha de pescadores se banha naquele rio e o sorriso sinuoso que esboça ao falar que a natureza ali é boa demais, chega até os olhos, límpidos e brilhantes como as areias das margens do Tocantins.
Na vida de Shirlene, o rio atravessa e deságua nas diversas curvas de sua história. O rio que alimentou sua família foi também seu cupido na adolescência, quando descobriu o amor em meio à água.
Já na margem esquerda do Tocantins, quase que em linha reta, é possível encontrar Misael Moreira tratando e “titicando” os peixes que ele acabara de pescar com sua rede, lá na Rampa da Folha 8, como é conhecido aquele ponto, bem ali onde uma parte da Nova Marabá desemboca no rio.
Aos 54 anos, Misael muito viu nesse trecho de fronteira entre água e terra.
Foi naquele lugar que ele também espiou o concreto se assentando no rio para levantar a primeira ponte rodoferroviária da cidade, inaugurada em 1985. Estrutura construída pelo homem como que domando o rio, se levantando sobre ele, para ligar os núcleos São Félix e Nova Marabá.
Quase quarenta anos depois, os olhos que vislumbraram a construção pioneira agora observam outras duas estruturas de aço e concreto serem erguidas meio que “empareadas” com a primeira.
As lembranças daquele tempo, da ponte e da pesca, ganham vida na história do pescador.
“Eu pesco há 25 anos, aqui no Tocantins, pesquei lá no lago (de Tucuruí) também. Mas agora acabou o peixe, eu não trabalho com isso mais não (sic)”.
O peixe que antes era gordo e suculento, agora é pequeno e mirrado, ou, nas palavras do pescador, o peixe acabou, agora só tem peixinho.
O ofício que alimentou a casa de Misael durante tantos anos, agora é um prazer de final de semana. O peixe que ele recolhe não é suficiente para garantir a despesa da família, mas é o bastante para manter vivo o costume da pesca.
O Tocantins que sustenta Shirlene e Misael transmuta suas cores ao longo do ano. Hora marrom, igual a terra que é transportada em sua correnteza em época de chuvarada; hora límpida e de um azul ensolarado, como o verão que castiga suas margens com o sol a pino.
Mas o verde, esse é perpétuo, disputa espaço com as moradias que vão se amontoando nas beiras do rio. Verde que continua lá, faça chuva ou faça sol.
Durante 25 anos, Misael pescou para vender peixe. Hoje, só para alimentar a família
A popular Maria Marrite, de 79 anos, revela que prefere lavar roupas no rio do que em máquinas, em casa, como sugere sua filha
O correr do tempo não é linear. Ele desliza sinuoso pelos vãos da existência. Hora marcado em dias, hora marcado em anos, hora apenas esquecido.
Quando lembrado, ele pode ser revivido e Maria Conceição Pessoa Bezerra, a popular Maria Marrite, aos 79 anos de vida é uma marca do tempo.
Atualmente, ela mora em uma casinha de madeira construída na margem da rampa de asfalto que conecta o rio com os quintais do São Félix Pioneiro, à margem do Rio Tocantins.
Os dias de menina foram demarcados pelo bater da roupa na pedra, ofício de lavadeira que aprendeu com a avó.
“Adoro lavar roupa no rio. A minha filha tem máquina, daquelas que enxugam, aí eu digo pra ela que isso só presta pra estragar a roupa”, confidencia a anciã com um sorriso zombeteiro.
Já mais velha, o tanque e a água encanada substituíram a beira do rio, quando ela foi ganhar dinheiro lavando roupa para militares do Exército, na Folha 21, Nova Marabá.
Os olhos que ficam atentos ao sabão que escorre da roupa e ondula para o rio são os mesmos que há anos viram os barcos cheios de castanhas descerem o Rio Tocantins, passando por Marabá e indo rumo a Tucuruí – e de lá para Belém.
Desse tempo, Maria lembra que eram muitos os barcos e grandes os motores e aqui por essa terra só se saía e entrava de dois jeitos: pelo ar ou pela água. As estradas ainda não estavam abertas.
Maria Marrite traz à superfície palavras que alumiam a sabedoria que só quem nasceu em outro século é capaz de navegar: a água é tudo.
“É uma maravilha, o pensamento da gente vai muito longe, é a vida. A gente lembra que nasceu, cresceu vendo essa água linda, maravilhosa”.
Enamorada pelo rio, ela garante que sua lembrança preferida é de se banhar no Tocantins. De pescaria ela quer distância, só gosta de dar o de comer para os peixes, mas de fisgá-los não. “Eu gosto mesmo é de tomar banho e ver a água”.
De todas as coisas que o tempo construiu, quatro são aquelas que dão comichão de felicidade na anciã: a água, o sol, a lua e a terra.
As mesmas quatro se convertem no rio: a água que o enche, o sol que ondula em seu reflexo, a lua que banha a superfície e a terra que se funde em suas profundezas.
De presente – ou de castigo – duas coisas lhe assombraram nesse rio: a boiuna e o boto.
A cobra grande ela encontrou numa noite de brincadeira por aquelas margens, acompanhada de duas amigas.
“Eu vi ela. Eu tava lá no porto do Geladinho e ela apareceu ali onde era o Paraguaçu. Uma coisa muito horrível, é um coqueirão preto, aí ela desceu. Era a cobra mais horrível do mundo”. Tamanho o susto, o trio se apavorou e fugiu.
Com os botos era diferente, eles vinham quando Maria ia lavar roupa num vão do Tocantins. Ela era moça e eles faziam a festa, mas partiam quando mais alguém chegava.
Só que nem a cobra e nem o boto dão mais medo em Maria do que o sofrimento que o homem causa ao rio. “Essa água linda, maravilhosa, que hoje é muito poluída pelo ser humano. Era a coisa que eu mais queria na minha vida, que o ser humano respeitasse a natureza”.
Conheça Pedro Pereira, pescador e morador do Porto do Tacho há 46 janeiros, onde o quintal de casa fica à margem do Itacaiunas
“Eu devo favor a esse rio, nasci na beira dele, bebi e bebo da sua água, então pra mim ele é minha vida”
É fim de tarde, o sol está para se pôr. À minha frente está sentado um homem que, com o rosto reflexivo, me espera para compartilhar sua história. E ela se passa aqui, à margem esquerda do Rio Itacaiunas, ou melhor, o “beiradão”. – Nós já vamos começar seu Pedro.
O curso de água que nasce na Serra Seringa, desemboca à esquerda do Rio Tocantins e dá graça. Tão graciosa são suas curvas, que as trouxeram até aqui à nossa amada Marabá (bela). E é sobre essa sinuosidade que nasce a história do nosso personagem, oriundo de uma vida inteira girando em torno do rio, onde antes mesmo de andar, ele nada. Pedro Pereira, de 46 anos, pescador e morador do Porto do Tacho, na Cidade Nova. Aqui nasceu, andou pelas ruas do Sororó, constituiu família, foi embora, mas não houve nada que o fizesse esquecer a liberdade de morar ali, no “beiradão”, um favo de mel.
Na lembrança, as poucas memórias da infância, o tempo da fartura, dos trabalhos na roça, coisas que o tempo deixou para trás. “Pedrão”, como é conhecido, é de família pobre, e começou a ter responsabilidades de “gente grande” quando ainda era um menino. Aos 14 anos foi pai, e como a vida cobra, teve de abdicar de outros sonhos… “Não tive estudo e minha vida foi construída com muita luta”.
Hoje, casado, pai de quatro filhos e avô de um neto, sobrevive da vida de pescador, das noites mal dormidas, do tempo fechado para pesca, do sereno da noite que traz o frio e a solidão… A luta que dura de seis a dez dias, só ele e a rabeta, na peleja que traz a renda e o alimento.
Nas aventuras da vida, sem estudo e com filho para criar, o trabalho de vaqueiro se consolidou no interior de Bom Será, na Cachoeira Grande. De lá para cá, foram muitas outras profissões até se encontrar. – E me encontrei. Bem aqui sob esse imenso “beiradão” onde o sol nasce cedo, e a lua chega mais tarde, onde os peixes me saúdam e me indicam o lugar certo para pescar.
Acorda cedo, busca a rabeta, apronta a malhadeira e a rede, o tempo é tão precioso quanto a junção das águas do Itacaiunas. E agora, parando para olhar, o tempo escoou, de maneira acelerada, bem na minha frente. Neste instante ele percebeu: faz 12 anos que a proa corta o vento sustentando em dias de viagem, a saudade da família.
E seguindo rio abaixo, o pescador contempla sua beleza. Um… Dois… Três… 12 anos em que a rabeta se torna leve, e segue beijando o Rio Itacaiunas, coroando o que resta de verde por ali. E como tudo na vida, nem tudo são flores, ou melhor, há dias em que o rio não está para peixe. “Diferente de antigamente, hoje precisamos viajar por muitos dias para encontrar o peixe para vender e sustentar a família”.
Em tempos de seca a preocupação é ainda maior. Com a ausência do inverno, o peixe desaparece dos rios. “É quando não temos água para subir o rio, é sofrimento”. Como se não bastasse a estiagem, a enchente traz uma inquietação. “A maioria das vezes é quando eu estou no rio pescando, e minha esposa que se vira sozinha pra arrumar tudo em casa”.
Apesar do sobe e desce do rio, e de perder objetos de casa, o pescador diz que é grato, pois sabe que sem as chuvas do inverno, no verão não há como sobreviver. O sofrimento maior para Pedro é pensar em viver longe da beira do rio. “Tudo que eu tenho está aqui, minha família, meus conhecidos, minha história”.
Ainda que tenha tentado, durante todo o percurso de vida, o pescador relembra que sempre retornou para o mesmo lugar. “Eu devo favor a esse rio, nasci na beira dele, bebi e bebo da sua água, então pra mim ele é minha vida”.
Adiante, ele revela um dos seus maiores medos. “Medo de ver esse rio secar um dia, é melhor morrer primeiro do que ver ele secar”.
Pedro é uma das centenas, milhares de pessoas que sobrevivem da pesca em Marabá, que enfrentam dias bons e ruins, mas que acima de tudo têm esperança em dias melhores. Pedro é um homem que contempla a beleza natural dada pelo Criador, que se banha e bebe da água do Itacaiunas, riqueza da nossa Marabá (bela).
No badalado Balneário das Mangueiras Luzia tira o sustento dela e do neto. Sempre pega jacumã para fisgar um voador, o seu peixe preferido
Há quase 30 anos, Luzia Pereira de Sousa construiu sua morada na beira do Rio Tocantins, ali no Balneário das Mangueiras, próximo à Folha 25 da Nova Marabá.
Todo dia Dona Luzia, como é carinhosamente conhecida, olha para sua paisagem preferida, seu quintal, seu rio.
Aos 71 anos, o rosto é marcado pelos desenhos sinuosos do tempo. As doces rugas da anciã são como um registro das lembranças que escorrem pelo vale da memória.
A recordação que borbulha na mente madura traz à tona uma época em que Luzia, os três filhos ainda crianças e o esposo, aos domingos, pegavam a canoa e partiam pelo rio. Ali eles pegavam a mistura – o peixe – e depois desembarcavam na outra margem.
“Ia nós cinco e pegava aquele peixe, assava, às vezes levava galinha, carne, porque às vezes não pegava o peixe (sic). Passava o dia todinho lá”.
O banzeiro do tempo se encarregou de modificar o quadro pintado na mente de Luzia. O marido morreu há dois anos, os filhos não moram mais com ela e hoje a dona de casa cria um neto de 16 anos.
O que não mudou, no arrastar desses anos, foi a paixão de Dona Luzia pelo rio. Quando tem quem lhe faça companhia, ela sobe na canoa e vai jogar sua isca no intento de fisgar um voador (espécie de peixe), o seu preferido.
“No dia que eu vou tudo mudo, porque no outro já me sinto bem. Parece que é a minha vida, porque viver só dentro de casa, ocupada, pensando coisa ruim, num dá (sic)”.
Nascida em Bacabal, no Maranhão, município cortado pelo Rio Mearim, Luzia caminhou para cima e para baixo. Sua andança foi tanta, que ela chegou em Porto Velho, Rondônia, e a correnteza da vida a trouxe até Marabá.
De todos os lares que ela já teve, a beira do Tocantins é o seu preferido.
“Eu penso que eu tô no paraíso. Todo mundo chega, me abraça, dá uma palavra de amor e eu me sinto bem, por isso. Depois que meu esposo morreu meus meninos fala ‘mãe vamos vender isso aqui’ e aí eu digo ‘pra onde que eu vou?’. Se eu sair daqui eu vou pra longe, eu não vou ficar no Marabá (sic)”.
Entre a casa, construída no alto, e o rio, Dona Luzia cultiva cheiro verde, boldo, couve, cana e tantos outros alimentos. Hoje, com a água do poço, o aguar das plantas é menos trabalhoso, basta encher o balde na pia e descer – reclamando – as escadas.
Mas houve um tempo que não existia o poço e o Tocantins era quem fornecia a água para molhar as plantas, cozinhar, tomar banho e beber.
“Quando não tinha poço eu pegava na cabecinha e regava, trazia e aguava. Contava todo dia 12 baldes de água pra banhar e aguar as plantas (sic)”.
Ainda que o banzeiro do tempo carregue os anos e os dias, ainda que as águas do Tocantins sigam seu fluxo, o rio é um companheiro constante na vida de Dona Luzia.
“Ele é maravilhoso. Quando a gente chega na beira dele, a gente se diverte, se sente bem”.
Sempre ali no fundo da casa, embelezando a vista que ela tem ao fazer as tarefas do dia. Guardando a memória de uma vida vivida dentro e fora d’agua, no rio, para o rio e pelo rio.
As motivações de Estanislau Cordeiro, oficial da reserva da PM, que decidiu voltar a Marabá e enraizar-se às margens do rio que o encantou
Estanislau Cordeiro da Silva, um veterano oficial da reserva da Polícia Militar, aos 67 anos, tem uma relação de décadas com a Orla do Rio Tocantins, um local onde viu transformações significativas desde que pisou em suas terras pela primeira vez, em 1986. Passou um período fora e retornou no ano passado definitivamente, trazendo consigo sua família.
A mudança foi motivada pela decisão de seus filhos de frequentarem a faculdade na cidade e pelo desejo de se estabelecerem aqui.
O Cabelo Seco passou a ser mais do que um local de residência para o coronel e sua família. É onde construíram sua vida, criaram laços com a comunidade e enfrentaram desafios juntos. Após o falecimento de sua mãe, em Belém, Estanislau se voltou mais fortemente para sua esposa e quatro filhos, que se tornaram o centro de sua vida ali: “Me liguei à família daqui”.
A jornada de Estanislau pela cidade o levou a residir em diferentes áreas, desde a Folha 28 até a Folha 32, antes de, finalmente, se estabelecer a poucos metros do rio. Esse processo de acomodação envolveu mudanças frequentes, buscando encontrar um espaço que atendesse às necessidades de sua família: “Construímos uma casa na área, onde estamos há mais de uma década e que representou a estabilidade e a segurança que buscávamos”.
A ligação de Cordeiro com o bairro vai além das fronteiras de sua residência. Ele se envolveu ativamente na comunidade, servindo como presidente de associação em uma ocasião. Durante esse período, trabalhou arduamente para resolver problemas locais e promover o bem-estar dos moradores. Essa experiência fortaleceu sua ligação com a região e sua determinação em contribuir para seu desenvolvimento.
“A gente procurava resolver da melhor maneira possível. Aquilo que um presidente pode fazer. Consegui perceber que a comunidade está intrinsecamente ligada ao rio e que por muito tempo foi meio de sobrevivência de muitos aqui”, analisa o coronel.
Apesar de belenense e de ter passado anos longe do Cabelo Seco, a relação de Estanislau com o Rio Tocantins é complexa e multifacetada. Ele testemunhou a evolução da orla, desde os tempos em que as famílias lavavam roupa e pescavam nas águas límpidas do rio até a transformação em um ponto turístico.
Além disso, acompanhou a remoção de algumas famílias devido ao desenvolvimento urbano. Situação essa que deixou marcas na comunidade, especialmente naqueles que tinham uma conexão profunda com o rio e suas atividades tradicionais: “Ficaram insatisfeitos e saíram contrariados por causa dessa relação íntima com rio, graças à pesca e à sobrevivência.”
Além das atividades cotidianas, o rio também proporciona momentos de lazer para os moradores, especialmente durante as cheias, quando as praias se formam e a população local e os turistas se reúnem para desfrutar da água. Estanislau vê isso como uma oportunidade de promover atividades esportivas e recreativas, buscando envolver a juventude da comunidade.
“Eu sonhei com um projeto esportivo de jogos que pudessem ser realizados durante o período de cheia do Tocantins. Queria proporcionar lazer àquele jovem que nada, pratica canoagem, remo, mas não tive êxito na procura por patrocinadores”, lamenta.
Sobre as enchentes, ele diz que a história de Marabá é enlaçada com a do Rio Tocantins. Recorda a narrativa dos primeiros colonizadores, como Francisco Coelho, até os dias atuais. Também fala que a fúria das águas sempre foram uma preocupação para os moradores, levando à criação da Cidade Nova como medida de proteção.
“Mas, a Velha Marabá continua sendo o coração da cidade, com seu comércio pulsante e sua comunidade resiliente”, reconhece.
Estanislau relembra vividamente a pior enchente que testemunhou, ocorrida há dois anos, quando a água invadiu sua casa. Essa experiência o fez repensar sua permanência na área, mas sua adaptação e sua conexão com a comunidade o tranquilizaram. Apesar dos desafios das enchentes, ele permanece comprometido com Cabelo Seco, vendo o local não apenas como um lugar para viver, mas como um lar cheio de histórias e significado, ao qual tem muito carinho.
Como um velho piloto navegou por décadas pelo Rio Tocantins para prover sustento para uma família que até hoje vive às margens dele
Manoel Duarte Dias, aos seus respeitáveis 84 anos, é um homem cuja vida se entrelaça com as águas do Rio Tocantins. Nascido e criado no bairro Santa Rosa, ele vivenciou a luta do trabalho árduo e viu de tudo: desde os dias de colheita nos campos até as jornadas na extração de diamantes e castanha-do-pará.
Narra que a história do Rio Tocantins está intimamente ligada ao transporte fluvial e ao comércio que se desenvolveram ao longo de suas margens: “Uma das atividades econômicas mais significativas era o transporte de castanha. Ela era a principal fonte de renda para muitas comunidades da região”, recorda.
Recorda que esse transporte era feito 100% por barcos que navegavam pelo Tocantins, levando a produção das comunidades ribeirinhas até Belém, onde era e até hoje é processada e exportada. Cada safra era fundamental para a economia local e para a subsistência de muitas famílias que viviam ao longo das margens do rio, como a dele.
SUBSISTÊNCIA
“Além do comércio de castanha, o Rio Tocantins também era utilizado para o transporte de outras mercadorias, como produtos agrícolas, madeira, minerais e até mesmo pessoas”, explica. É que a navegação fluvial desempenhou um papel crucial na conectividade e no desenvolvimento no interior do Pará, onde as estradas muitas vezes eram escassas ou inexistentes, mas também em sua vida.
Com apenas 16 anos, Manoel embarcou em uma jornada para aprender a arte de navegar pelos rios, uma habilidade essencial numa época em que esse tipo de transporte era imprescindível. Aprendeu com destreza, se tornando um dos poucos pilotos capazes de navegar tanto no Tocantins quanto no Araguaia. Junto a poucos outros, como Lucas Matheus, Caboclo Marabá e o saudoso Pedrinho, ele garante que dominou os intricados caminhos dessas vias fluviais.
“Os desafios eram inúmeros”, Manoel recorda com orgulho das quatro cachoeiras temíveis que desafiavam sua perícia e coragem: de Santo Antônio a Taquari, enfrentou correntezas e perigos que poucos ousavam desafiar. Reconhecido como um dos pilotos heróis pela capitania dos portos, ele e seus companheiros enfrentaram o desconhecido em cada curva e cachoeira do rio.
PESCA
Reminiscências de dias de pesca com o pai surgem, evocando tempos em que pescar não era um luxo, mas uma questão de sobrevivência: “Lembro de uma época em que os rios eram abundantes em variedades como Curimatá, Jaraqui, Pacu Manteiga e outros peixes, contrastam com a extravagância da pesca atual, onde o excesso é comum e o desperdício uma realidade”, lamenta.
Em Marabá, assim como em muitas outras cidades ao longo do Rio Tocantins, a poluição é uma preocupação ambiental significativa que afeta diretamente a qualidade da água e a saúde dos ecossistemas aquáticos. A atividade industrial, o crescimento urbano desordenado e a falta de infraestrutura adequada para o tratamento de resíduos têm contribuído para a poluição do rio na área. Poluição essa percebida por dona Maria Lúcia Gomes Dias, esposa de seu Manoel.
Ela clama por ações urgentes dos governantes e por uma mudança de mentalidade na população, a fim de proteger esse tesouro natural que flui em suas veias como sangue: “Nossos governantes deveriam olhar mais para o Tocantins. Somos privilegiados em tê-lo e as pessoas não parecem mensurar tamanha benção. Não fazem questão de protegê-lo”, pontua.
Originária de Cuiabá, Mato Grosso, ela encontrou sua segunda casa em Marabá em meados de 1962. Desde então, suas raízes se estenderam profundamente na Terra Bendita, como um rio que se ramifica em afluentes, moldando sua identidade e seu destino.
Ao se mudar para o “bairro do Amor”, Maria Lúcia selou seu destino ao lado de Manoel. Juntos, eles ergueram uma família, desafiando as correntezas da vida com coragem e determinação. Seis filhos foram criados sob o olhar atento do rio, testemunhas silenciosas de uma união fundida pela força das águas: “Foram criados à beira do Rio Tocantins, enquanto eu lavava roupa, eles ficavam debaixo da minha saia”.
RIQUEZA
Para ele, os rios são uma fonte inesgotável de riqueza. Durante décadas, testemunhou a exploração de diamantes e ouro, sabendo que as águas guardavam segredos preciosos ainda por descobrir. Mas, segundo Manoel, o verdadeiro tesouro sempre foi a própria água, um bem inestimável e indispensável.
Apesar da idade avançada e dos perigos inerentes à navegação fluvial, Manoel ainda se vê irresistivelmente atraído pelo rio. Seu filho, Ademar, relata que mesmo agora, Manoel não pode resistir a uma escapadinha para as águas que moldaram sua vida. Para ele, o rio é mais do que um cenário ou uma fonte de subsistência – é um elo indissolúvel com suas origens e sua essência.
OBSTÁCULOS
E falando de rio, fica impossível não falar das memórias das enchentes, vivas em sua mente, dos tempos em que precisavam improvisar para manter os pertences secos enquanto a água invadia sua casa: “O rio tava dentro de casa e meu velho fazia um assoalho para passarmos os móveis para cima enquanto a água passava por baixo”, relata.
Apenas em 1979 e 1980 é que não puderam ficar, mas hoje, não se veem partindo em suas formas físicas, apenas em espírito. Esperam poder repousar onde chamam e sentem como lar.
Na periferia do núcleo Liberdade, à margem do Itacaiunas, o empreendedor Fagno Costa faz a gestão de um restaurante que já era tradição mesmo antes da criação recente do Parque Ambiental do Vavazão
Quando se procura em um bom lugar para comer peixe, em Marabá, muita gente pensa logo na Orla do Rio Tocantins, onde restaurantes tradicionais servem tucunaré na manteiga e outras iguarias vindas do rio.
Mas fora desse roteiro gastronômico tradicional, o Correio de Carajás apresenta neste aniversário de Marabá outro lugar, tão especial quanto os demais, e que muita gente só está descobrindo agora por causa da construção de uma minúscula orla no Balneário Vavazão, no Rio Itacaiunas.
O velho balneário criado no início da década de 1990 é ponto turístico, sim, com restaurantes e uma culinária marcante, em frente à foz do Rio Sororó, com um espetáculo da natureza no verão, oferecendo corredeiras e uma ilha com praia bem no meio.
Naquela região, com indicação do Ministério Público Estadual, a Prefeitura plantou as raízes para criar o chamado Parque Ambiental do Vavazão, onde o personagem dessa notícia trabalha.
Fagno Costa tem 35 anos e é um jovem empreendedor que herdou o restaurante “Peixe e cia. bar e restaurante” dos pais, Eduardo de Souza e Lenir da Costa. Eles começaram tudo há 22 anos e se tornou tradição no balneário.
“Meu pai nos trouxe para essa beira de rio e hoje não saímos mais”, afirma Netinho, como é chamado pelos muitos clientes que chegam ao local de domingo a domingo.
Numa tarde descontraída, “Netinho” relembrou os passos do pai, um caminhoneiro que virou pescador. Com quatro filhos, o homem enxergou nas águas do Itacaiunas a fonte do alimento e do viver, onde a água era como um espelho que refletia sobre o futuro que seria construído ali. E assim o fez.
Fagno revela que trabalhou em outros ramos, e que ao se ver desempregado, enxergou no pai o modelo para ser proprietário e começar a gerir o seu negócio. Sorridente, ele diz nunca imaginar chegar a ter um negócio tão promissor. “Atendemos clientes de toda a região sul do Pará. Eu nunca imaginei que viesse gente de tão longe”.
O empreendedor revela o segredo dos seus pratos: o tucunaré e o rio, uma junção perfeita. “Eu quero que meus clientes retornem pelo peixe, não pelo acompanhamento do prato”.
Ele também celebra sobre a geração de emprego e renda que sua empresa deu a outras pessoas. “O mais gratificante é ver que, de alguma forma, estou ajudando outras famílias a crescerem e ter uma condição de vida melhor”, destaca.
A família de Fagno acompanhou o crescimento da comunidade e ele não nega o preconceito que o ambiente Vavazão ainda sofre. “Muitas pessoas chegam para mim falando que tinham medo de vir aqui, e quando vêm enxergam algo totalmente diferente. O meu restaurante também quebra esse estigma”, diz.
Com a transformação da área pelo poder público nos últimos meses, o Parque Ambiental Vavazão se tornou um ambiente ainda mais familiar, onde no final da tarde crianças brincam e famílias de outras cidades vão para lá.
A simbologia da culinária de Fagno revela a paixão pelo rio, onde tudo começou. “O acompanhante do meu prato não é o arroz, o feijão ou a farofa, é o rio”, pontua. O empreendedor procura preservar a própria história que teve início com seu pai, e que apesar de não ter filhos, espera que seja continuada pela sua próxima geração.
Publicado em 3 de março de 2024.
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