A história da cidade que multiplicou o número de habitantes em uma década e cresce vertiginosamente, impulsionada pelos recursos da mineração
Era uma vez uma pequena cidade do interior do Pará que tinha a economia baseada na agropecuária. Há exatos 20 anos, em 2001, Canaã dos Carajás era um município pequeno, recém‐criado, cuja sustentação econômica provinha da produção agrícola de subsistência e da pecuária, em especial, a produção leiteira.
Nessa época, a cidade convivia com sérios problemas locais, como: estradas em péssimas condições de trafegabilidade; ausência de profissionais nos postos de saúde; desemprego; falta de coleta adequada do lixo nas ruas; sistema educacional fragilizado; ausência de oferta de turmas do ensino médio; falta de um centro odontológico e de uma unidade volante para atender a zona rural e a urbana.
A comunidade também se ressentia da falta de apoio ao esporte, cultura e lazer, entre outros. No entanto, o município não dispunha de meios financeiros para resolver essas carências. Em 2001, o Produto Interno Bruto (PIB) estimado de Canaã era de apenas R$ 17 milhões. Nesse período, começou a implantação da mina de cobre na Serra do Sossego, da companhia Vale S.A., com investimentos superiores a R$ 1 bilhão. Duas décadas depois, Canaã se destaca como um dos municípios que mais crescem economicamente no Pará.
Embora a cidade já começasse a perceber mudanças decorrentes da exploração mineral, foi em 2016 que as contas da Prefeitura Municipal de Canaã dos Carajás passaram a receber MUITO dinheiro com o início da extração de minério de ferro na mina de S11D, considerada, atualmente, a maior do mundo.
Com a incorporação da atividade de mineração ao município, concentrada basicamente nas mãos da Vale, a população de Canaã deu um salto.
Segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município abrigava, naquele momento, 26.716 habitantes, com 78% deles vivendo no centro urbano.
Pouco mais de 10 anos depois, em 2021, Canaã dos Carajás já tem quase esse número apenas em títulos eleitorais registrados: são 24.743 eleitores.
Em outubro, o município registrava também uma frota de 24.559 veículos circulando. Em 2019, a estimativa do IBGE era de que havia 37.085 habitantes no município, mas a Prefeitura estima serem mais de 65 mil moradores em 2021.
O que atrai tanta gente ao município é a promessa dourada do emprego, o que Canaã cumpre.
Mesmo diante do cenário pandêmico que na maior parte do país resultou em demissões, entre janeiro e dezembro de 2020 Canaã criou 857 postos de trabalho. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, apontam que a extração mineral foi a responsável por mais da metade destas vagas: 422. A construção civil – que também explodiu graças aos royalties que o município recebe – gerou ainda mais postos: 528.
Neste mesmo ano, a maior parte das demais atividades apresentou saldo negativo, ou seja, fechou postos de trabalho, à exceção da agropecuária, que criou apenas dois ao longo dos 12 meses.
Entre janeiro e outubro de 2021, quando a vacinação contra a covid-19 permitiu a flexibilização das medidas sanitárias e o consequente retorno das pessoas às atividades laborais, foram criados outros 1.436 postos de trabalho. Isso quer dizer que em 10 meses houve um crescimento de 67,5% em relação aos 12 meses do ano anterior.
Aqui, novamente a extração mineral e a construção civil foram responsáveis por grande parte das vagas criadas: 487 e 298, respectivamente. O setor de serviços, no entanto, também contribuiu significativamente nesta soma, criando 324 empregos formais.
Para demonstrarmos o quanto brilha a estrela de Canaã, basta fazer uma comparação simples com um município pouco maior que ela: Redenção, no sul do Pará. Com aproximadamente 20 mil habitantes a mais, a cidade contratou 81% a menos, tendo criado apenas 351 postos de trabalho em 2020 e 79 em 2021.
Tudo em Canaã dos Carajás deve ser conjugado no superlativo. Desde o minério extraído até os recursos que retornam em forma de royalties ou CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), para minorar os visíveis impactos ambientais pela atividade, além dos sociais – pela atração de um fluxo migratório expressivo, aumentando a demanda por infraestrutura (escolas, hospitais, vias urbanas, espaços de lazer, etc). Foi pensando nesses impactos locais que foi idealizada a tal CFEM, uma espécie de fundo compensatório que auxiliasse os municípios a mitigá-los, composto de um percentual obtido do aproveitamento econômico da exploração do recurso mineral.
São eles que estão fazendo de Canaã dos Carajás, neste primeiro momento, uma cidade próspera e moderna, mas que também precisa focar na sustentabilidade para quando as minas se exaurirem.
Muitos moradores das cidades mineradoras do sudeste do Pará, como Canaã, não sabem, mas o caminho dos royalties começa com a extração do minério, transporte pela Estrada de Ferro Carajás até o Porto do Itaqui, onde ele é embarcado em navios e levados para vários países, como China, Malásia e Japão, por exemplo.
A Vale vende o minério e recolhe o royalty da venda do produto para o governo federal, por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM). Esse valor é redistribuído, cerca de dois meses depois, em forma de CFEM.
Atualmente, 7% do arrecadado com a CFEM é destinado à própria ANM. Os municípios onde há mineração ficam com a fatia maior: 60%. São distribuídos recursos, ainda, aos estados (15%); Ibama (0,2%); Centro de Tecnologia Mineral (1,8%); e Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) (1%).
Somente neste ano de 2021, de janeiro a novembro, Canaã já deu à Vale 67,15 milhões de toneladas, o que corresponde a um lucro da mineradora da ordem de R$ 47,073 bilhões apenas com minério de ferro. Os dados são da ANM. O retorno também não é pequeno. O município já arrecadou, neste período, exatos R$ 1.114.050.454,03.
Segundo a mesma ANM, as atividades de mineração em Canaã, em 2016, geraram R$ 28,7 milhões em CFEM. Um dado minúsculo se comparado ao R$ 1,1 bilhão que entraram nos cofres da Prefeitura até novembro deste ano.
Um estudo feito pela Revista Mineração aponta que a arrecadação de Canaã dos Carajás aumentou 34 vezes com os royalties minerários provenientes do Complexo S11D.
Depois que o dinheiro é depositado na conta da Prefeitura, esta pode utilizar o recurso para investimento, mas não poderá aplicá-lo em pagamento de dívida ou no quadro permanente de pessoal (folha de pagamento).
Além de Canaã, os municípios mineradores da região de Carajás que mais recebem recursos por meio de royalties/CFEM são Parauapebas e Marabá. Esses dois últimos não foram avaliados nesta reportagem porque não está claro em seus portais de transparência onde as gestões aplicam os milhões que recebem desta dotação orçamentária.
É este o cenário que atrai muita gente de fora e faz Canaã dos Carajás explodir demograficamente. Há alguns meses, por exemplo, o educador físico Alberoni da Silva Aguiar, de 39 anos, deixou o município de Araguatins, no Tocantins, e se mudou para Canaã, onde assumiu o posto de motorista em uma empresa que presta serviços à mineradora Vale.
No estado vizinho deixou os filhos e a companheira, a pedagoga e historiadora Jucélia Pereira Mota, de 30 anos, que agora tenta conquistar uma vaga na rede municipal de educação de Canaã para abandonar o concurso no qual foi aprovada em Araguatins e poder reunir novamente a família.
“Por falta de oportunidade na minha cidade ele teve que vir trabalhar aqui, que é um lugar que vem crescendo bastante e oferece oportunidade, então estou tentando acompanhá-lo, mas ainda não consegui. Vim tentar o concurso hoje”, conta, em entrevista no primeiro domingo de dezembro de 2021.
Para Jucélia, a mudança em nada será difícil assim que ela conquistar uma vaga de trabalho.
Jucélia vem de Araguatins frequentemente matar a saudade do marido Alberoni em Canaã dos Carajás
O mecânico Halins Freitas Brabo tem 43 anos e há 15 chegou à cidade, após passar por um processo seletivo que garantiu um emprego para ele em uma empresa terceirizada da Vale. Na cidade formou família, casou-se e teve dois filhos. É testemunha ocular das rápidas mudanças que Canaã dos Carajás atravessa. “Quando cheguei havia praticamente duas ruas principais e o resto era muita poeira. Era o início de uma cidade”, rememora.
Pela pouca infraestrutura, ele relembra ter estranhado bastante o local ao se mudar.
Apoiado nessa confiança, o mecânico diz que gostaria de ver a montanha de recursos que chega ao município ser aplicada principalmente na área da saúde e em investimentos em esportes que contribuam “para tirar os jovens das ruas”.
A geração de emprego a partir da atração de novas empresas, segundo ele, também deve ser priorizada para que a população não fique refém apenas da mineração. “Acho importante trazer outras coisas para inserir o jovem que está no início da sua vida de trabalho, assim como eu entrei em um processo de aprendizagem e estou até hoje aprendendo. Seria interessante também um incentivo em escolas profissionalizantes”, sugere.
Para ele, uma melhora neste sentido poderá fazer com que as crianças e adolescentes do presente sejam os cidadãos produtivos do futuro da cidade. “Principalmente visando minha família, quero que meus filhos cresçam em uma cidade na qual haja segurança e as coisas prioritárias para crescerem. Não quero que cheguem em uma idade que digam que não gostam da cidade e queiram ir embora. Eu quero que eles fiquem como eu estou há muito tempo”, diz Halins.
“Quero que meus filhos cresçam em uma cidade segura e aconchegante”
Além das pessoas atraídas pelos atuais cofres cheios da cidade e a oferta de empregos, vivem em Canaã os visionários que perceberam há mais de uma ou duas décadas que um município com tanto minério um dia deslancharia. Hoje, são memórias vivas das rápidas e profundas mudanças pelas quais a cidade passa.
Há 10 anos, o mototaxista Deusamar Pereira Cardoso da Silva, de 47 anos, deixou Goianésia do Pará, município de quase 40 mil habitantes, também localizado no sudeste do Pará, e rodou 401 quilômetros para se firmar em Canaã dos Carajás.
“Lá a cidade está mais fraca. O movimento era madeireira e carvoaria, deu muita crise e a maioria fechou. A renda era muito pouca e Canaã sempre foi uma cidade que a gente ouvia falar há muito tempo. Uma cidadezinha pequena e que foi ficando relevante por causa do minério. Quando a cidade é pequena e ela vai crescendo, principalmente com esse tesouro que tem aqui, o futuro dela é só crescer, não vai diminuir”, afirma.
Em uma década vivendo no local, diz que o município melhorou “quase 90%”, principalmente em relação à infraestrutura.
“Aqui era buraco no meio da estrada, praça que tinha aqui era com bancos de madeira. Hoje tem praça em tudo quanto é lugar da cidade para uma criança brincar. Até eu, depois de velho, jogo bola porque tem quadra de esportes para tudo quanto é lado. Depois que cheguei aqui comecei a jogar futebol”, conta, orgulhoso.
Da mesma forma, a camareira Rosa de Lima Rodrigues, de 47 anos, se mudou para Canaã há 21 anos, também em busca de emprego. “Cheguei, sempre gostei e veio minha família também. Primeiro trouxe meu marido, aí vim trazendo as irmãs e outros familiares. Já tem bastante gente que puxei pra Canaã”, sorri, orgulhosa.
Rosa diz ter visto a cidade mudar por completo desde quando se mudou:
Tenho muito orgulho de morar em Canaã e deixo o recado para quem quiser vir que fique à vontade porque é uma bela cidade, muito boa de se viver”.
A CFEM é justamente o recurso utilizado na realização de grandes obras que estão em andamento e sendo finalizadas no município de Canaã. Em buscas no Portal da Transparência de Canaã dos Carajás, o Correio de Carajás localizou 14 grandes obras que começaram a ser executadas em 2021 e outras 28 iniciadas em 2020. Além disso, há mais 28 licitações abertas utilizando esta fonte de recursos.
As obras iniciadas nestes dois anos somam quase R$ 140 milhões licitados. Há, ainda, grandes projetos iniciados ainda em 2019, dentre eles, a nova sede da Prefeitura Municipal, quase finalizada e cuja construção foi contratada por 16,4 milhões. A Câmara de Vereadores também vai ganhar um novo prédio, iniciado em 2021, e orçado, até o momento, em mais de R$ 21 milhões.
Nos últimos meses começou a ser realizada, ainda, a revitalização da Avenida Agenor Gonçalves de Paiva Trecho, cujos três trechos de obras foram orçados em mais de R$ 23 milhões.
No ano anterior, 2020, podem ser citadas como grandes obras iniciadas a construção de um prédio educacional onde funcionarão as turmas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e onde estão sendo investidos mais de R$ 13 milhões; a reprogramação da construção do sistema de abastecimento de água no município, orçada em 18,5 milhões; e a construção de um complexo poliesportivo de mais de R$ 13 milhões.
Para o futuro, uma das obras licitadas está orçada em quase R$ 40 milhões. Trata-se da instalação de duas estações de tratamento de efluentes sanitários através de tecnologia de lodos ativados com duas estações de bombeamento de esgoto bruto.
Se quando chegou em Canaã dos Carajás, há 22 anos, foi difícil para Vera Lúcia Silva Costa, de 49 anos, encontrar um cômodo onde se instalar com os filhos, hoje ela se orgulha de ser a presidente da Associação de Moradores do Residencial Canaã, projeto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida com mais de 900 residências.
A assistente social relembra que, naquela época, praticamente só havia agricultura na região. “Era uma terra mais de colonos, mais pobres, com até 200 cabeças de gado. Depois, em meados de 2000, aí entraram a mineradora, várias empresas e a cidade cresceu. A cidade melhorou muito e eu praticamente acompanhei isso”.
Vera relembra que o município foi emancipado há 27 anos e ela trabalha há 20 anos na Prefeitura, onde hoje é concursada.
Eu trouxe meus filhos pequenos para Canaã e hoje já construíram as famílias deles no município. É gratificante ver como tudo cresceu, como evoluiu e como nos ajudou”.
A assistente social nasceu no Piauí e ainda criança seguiu com o pai para Tucuruí, onde ele foi trabalhar na construção da usina hidrelétrica. De lá, mudou-se para a casa de uma tia em Curionópolis, mas não conseguiu emprego e mais uma vez buscou outra moradia, chegando em Canaã dos Carajás.
“Eu vim porque no município onde eu morava estava defasado de emprego, então a gente tinha que procurar uma melhoria de vida e hoje sou muito feliz por morar aqui. Eu precisava estudar e terminei minha faculdade em Canaã”, conta ela, que é mãe de quatro filhos.
Um deles vive em São Paulo, mas outras três seguem em Canaã dos Carajás. “Trouxe todos pequenos, só uma nasceu depois que eu já estava morando aqui. Hoje tenho uma história bonita para contar da nossa família. É bonito contar como Canaã cresceu e como ajudou a mim, meus filhos, minha família”.
Há mais de duas décadas, Vera contava as ruas existentes nos dedos das mãos. Agora, até reclama das distâncias que precisa percorrer e diz ser impossível atravessar a cidade a pé.
“Não tinha asfalto. A gente passava um dia inteiro para ir a Parauapebas (uma distância de 66 quilômetros) e ainda tinha que levar roupa porque chegava empoeirada. Na lama não tinha como, precisava esperar parar de chover para a gente poder ir. Hoje em dia levo uma hora de carro próprio”, comemora.
Conforme ela, quando visita outras regiões sente até inveja vinda das pessoas por ela viver na Terra Prometida:
Quando chego em Breu Branco dizem ‘poxa, ela mora lá em Canaã’. A gente se sente orgulhosa de morar nesta cidade, de ter visto se desenvolver, de ver meus filhos crescerem e meus netos nascerem aqui”.
Falando em crianças, Vera diz que quando os filhos eram pequenos a dificuldade com opções de lazer eram enormes, o que agora é diferente. “Na época só tinha bares, hoje tem as praças e muitas opções para levar as crianças”. Pensando nos netos, diz querer ver uma parte das riquezas do município investidas na educação, principalmente nas escolas públicas.
”A gente vê que houve uma melhoria muito grande, mas queremos ver nas escolas de ensino médio também. Fui mãe muito jovem e depois que meus filhos cresceram fui cursar o ensino médio. Canaã mudou minha qualidade de vida enquanto pessoa, pela educação. As escolas do município estão bem estruturadas e zeladas, mas as de ensino médio ainda precisam disso.
Também seria bom uma faculdade onde os menos favorecidos possam ingressar, estudar, acho que a educação é a base de tudo”.
Com 63 anos, o aposentado José de Ribamar de Sousa corre dia sim, dia não na pista de atividades físicas e ciclovia pintada no canteiro central da Weyne
Cavalcante, principal via de Canaã dos Carajás. A prática, entretanto, pode ser considerada recente, visto que antes ele precisava utilizar outros locais públicos, muitas vezes dividindo espaços com os veículos.
“Ficou bom demais. Antes não vinha pra cá, só andava na matinha e voltava, não tinha esse espaço de caminhada. Depois que foi feito estamos usando, dá muita gente aqui”.
A revitalização da Weyne Cavalcante é uma das maiores mudanças da cara da cidade. As obras da via, que na verdade trata-se do trecho urbano da PA-160, a Transcarajás, foram iniciadas em 2019, com a primeira etapa custando pouco mais de R$ 12 milhões. Na segunda foram mais R$ 6,7 milhões e um terceiro processo garantiu mais de R$ 11 milhões para serviços em geral.
De lá para cá, foi ampliada, ganhou rotatórias, recebeu sinalização e uma área central ampla, com bancos, iluminação, pracinhas para crianças e áreas para atividades físicas.
José de Ribamar, que vive há oito anos na cidade, se empolga ao falar das mudanças. “A cidade tem evoluído, cresceu muito, todo mundo tá construindo, tem prédios grandes. Também está melhorando a infraestrutura”, enumera.
Assim como ele, o mecânico montador Francisco de Assis Moreira, de 51 anos, utiliza o espaço para passear com a família. Ele se mudou para a terra do minério há 11 anos em busca de emprego, conseguindo se alocar na área de mineração.
Durante o passeio, apresenta a neta, um bebê de colo, já nascida em Canaã dos Carajás. “A cidade está muito boa, melhorou muito e cada vez tem que melhorar mais para as pessoas gostarem mais, para a cidade ficar mais maravilhosa e mais bonita”.
De acordo com o engenheiro de minas André Santos, mestre em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Canaã dos Carajás é, pelo menos do ponto de vista econômico, o município mais próspero de seu tempo no país.
Desde 1994, quando foi “parida” de Parauapebas, nenhuma outra localidade brasileira viu ascensão tão rápida, nem na economia, nem nas finanças, tampouco na demografia.
O pesquisador, que concedeu entrevista ao Portal Correio de Carajás no dia 15 de dezembro, discorda com veemência da estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que atribui a Canaã 39,1 mil moradores. “O IBGE se baseia nos censos caducos de 2000 e 2010 para fazer a conta, utilizando metodologia própria que, contudo, não é eficiente para captar a dinâmica atual de Canaã”, dispara, observando que o município tem 44 mil eleitores biometrizados e 18 mil estudantes (nas redes pública e privada) com menos de 16 anos. “Sem contar quem mora aqui e não se encaixa como eleitor ou estudante, seguramente Canaã está hoje com cerca de 70 mil habitantes”, projeta.
Santos observa que, embora seja uma comentada praça financeira, o crescimento local não tem sido uniforme e não reflete necessariamente desenvolvimento social.
O engenheiro de Minas avisa que isso será visto de forma escalar quando for calculado o próximo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), cujo indicador virá dos dados gerais do censo demográfico de 2022.
Na visão do pesquisador, a indústria extrativa mineral alçou Canaã e, notadamente, sua prefeitura a uma confortável condição financeira, em razão do robusto abastecimento dos cofres públicos com royalties de mineração e impostos outros arrastados pela lavra dos minérios de cobre e ferro, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços (ISS).
“Ainda nesta década, Canaã deve ultrapassar Parauapebas em royalties. Este ano, a receita da Prefeitura de Canaã já superou a da Prefeitura de Marabá em cerca de R$ 500 milhões, o que seria impensável antes da operação da mina de S11D”, revela, adicionando que o governo da Terra Prometida arrecada mais que capitais como Boa Vista (RR), Palmas (TO), Rio Branco (AC) e Macapá (AP). “A Prefeitura de Canaã dos Carajás é a única do país, hoje, com condições financeiras e fiscais de dobrar os salários de todos os seus servidores, se quisesse, sem afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso só é possível por ter uma distância tranquila entre os gastos com pessoal e a receita que arrecada”, diz.
Para os anos seguintes, tudo aparentemente será “blue”, na visão do especialista. Em 2022, a prefeitura projeta um orçamento de R$ 1,854 bilhão. A receita para 2023 é de R$ 1,418 bilhão e de R$ 1,493 bilhão em 2024, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas os valores devem ser revistos a depender do comportamento da arrecadação no ano que vem.
“E ela, a arrecadação, depende do humor do mercado internacional para consumir as commodities produzidas pela Terra Prometida, no caso o cobre e, especialmente, o minério de ferro”, destaca André Santos, observando que, caso a mineradora multinacional Vale realize as ampliações de capacidade de produção na mina de S11D como tem anunciado, Canaã rivalizará com Belém em arrecadação.
O engenheiro alerta, todavia, que é preciso fazer essa dinheirama chegar em forma de serviços essenciais aos mais pobres. Saneamento básico e erradicação da pobreza seguem sendo dois calos no sapato do município. Dados de setembro do CadÚnico identificam 17,8 mil cidadãos em situação de pobreza ou extrema pobreza na rica Terra Prometida.
“É preciso transformar essas toneladas de recursos públicos em progresso social porque é um dinheiro proveniente de uma atividade sabidamente finita. Todas as condições para erradicação das mazelas estão sendo dadas agora”, encerra.
“Mas é possível dizer, sem medo de errar, que em nível de Pará, que é um estado com indicadores de desenvolvimento muito ruins, Canaã dos Carajás é uma ilha de prosperidade”, ressalta.
Royalties são valores pagos por empresas à União e aos governos estaduais e municipais pelo direito de uso, exploração e comercialização de determinado bem. No caso da mineração, trata-se do imposto batizado de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)
Desde 2017, a base do cálculo do royalty da mineração incide sobre a receita bruta da venda do produto, deduzidos tributos sobre a comercialização, pagos ou compensados, de acordo com os respectivos regimes tributários. A porcentagem calculada depende do mineral explorado, chegando ao máximo de até 4%.
Conforme explica a Agência Nacional de Mineração, este imposto é devido por toda e qualquer pessoa física ou jurídica habilitada a extrair substâncias minerais para fins de aproveitamento econômico. Ao ser recolhida pela União, a compensação é distribuída mensalmente como contraprestação pelo aproveitamento econômico dos recursos minerais em cada território.
Dos valores totais, 10% ficam com a União, 15% para o estado onde for extraída a substância mineral e 60% para o município produtor. Outros 15% são distribuídos para municípios afetados pela atividade de mineração e onde não ocorre a produção, como o caso de cidades por onde passa o trem que escoa o produto até o litoral do Maranhão.
Estes recursos não podem ser aplicados em pagamento de dívidas ou no quadro permanente de pessoal, ou seja, os municípios não podem usar os valores para arcar com a folha de pagamento, por exemplo. A CFEM deve, obrigatoriamente, ser utilizada em projetos que melhorem a infraestrutura e a qualidade ambiental, saúde e educação destinada à população.
O Projeto S11D, composto por mina e uma usina, para extração e processamento de minério de ferro, respectivamente, é o maior complexo minerador da Vale no mundo.
Nele, o minério é lavrado a céu aberto e transportado até a usina por meio de correias e, após processado, embarcado em vagões de trem e levados via Estrada de Ferro Carajás até o Porto de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão.
O produto final é vendido separadamente ou misturado ao minério dos sistemas Sul e Sudeste, também da Vale, em Minas Gerais, em centros de distribuição e armazenamento no exterior.
Conforme a mineradora, no pico das obras, em outubro de 2015, o projeto chegou a absorver mais de 40 mil trabalhadores em Canaã dos Carajás e mais de R$ 150 milhões foram investidos em obras de infraestrutura, educação, saúde, cultura, lazer e programas de formação profissional no município. Os investimentos se somam ao da mineração de cobre da Mina do Sossego.
O último relatório de produção divulgado pela Vale, com os dados de janeiro até setembro de 2021, apontava que S11D produziu 54,6 milhões de toneladas de minério de ferro. Em 2020, foram 82,5 milhões de toneladas.
Enquanto isso, Sossego produziu, neste mesmo período, 87,7 mil toneladas de cobre contido. Nos primeiros nove meses de 2021, foram 57,9 mil toneladas. Atualmente, as duas unidades geram mais de 4 mil empregos diretos.
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Publicado em 24 de dezembro de 2021.
é paraense de Marabá, jornalista há 25 anos, casado com Ana Raquel, pai de Breno e Brenda, avô de Maria. Gosta de tucunaré na manteiga, cuscuz de milho, açaí, natação e ler Gabriel García Márquez.
é paranaense de Foz do Iguaçu, jornalista há 12 anos, especialista em jornalismo investigativo, curte seus gatos, seus livros, seus filmes, e não falta ao rolê com amigos de Marabá e Parauapebas.